Vice-Presidente esclarece posição sobre auditoria

O vice-presidente da Câmara de Lousada, Pedro Machado, não reconhece as ilegalidades enumeradas na auditoria que foi realizada, entre abril e outubro, pela Inspeção Geral de Finanças e cujo relatório foi apresentado na última assembleia municipal. 


TVS: Qual o objetivo da auditoria e o que é que a mesma apurou? Que recomendações resultaram da auditoria realizada?
Pedro Machado: Trata-se de uma auditoria financeira, de caráter periódico e aleatório, promovida pela Inspecção-Geral de Finanças, com o objetivo de verificar a qualidade da despesa e dos pagamentos ao pessoal, efetuados pela Câmara Municipal nos exercícios de 2009, 2010 e 1.º semestre de 2011, tendo em conta a sua legalidade, regularidade e racionalidade. A auditoria apurou muitas evidências que já eram do conhecimento de todos, como é o caso do aumento do número de trabalhadores e, consequentemente, da despesa com pessoal entre 2008 e 2009. A razão disso ter sucedido é fácil de perceber e do conhecimento de todos. Com efeito, a câmara celebrou um protocolo de transferência de competências com o Ministério da Educação, o que implicou a afetação e gestão do pessoal auxiliar dos ensinos pré-escolar e básico. No entanto, é bom ter presente que a despesa com esse pessoal é suportada pelo Ministério da Educação e que, a qualquer momento, a autarquia pode fazer cessar os efeitos desse protocolo, sendo que nesse caso o pessoal regressaria aos quadros do Ministério da Educação. A auditoria verificou ainda que a despesa com pessoal diminuiu entre 2009 e 2010, sendo importante referir que essa diminuição foi ainda mais forte entre 2010 e 2011.
Os auditores formularam algumas recomendações que foram de imediato implementadas pelos serviços municipais e que têm que ver, genericamente, com formalidades procedimentais.

“Reconheço a existência de irregularidades,mas foram imediatamente sanadas”

TVS: Confirma a existência de irregularidades e ilegalidades?
PM: As alegadas ilegalidades não foram, nem são, por nós reconhecidas. Trata-se antes de uma diferente interpretação jurídica quanto ao tratamento dado a cinco contratos. Quanto às irregularidades, reconheço a existência de algumas, mas as mesmas foram imediatamente sanadas. Algumas dessas irregularidades são completamente ridículas como é o caso de verbas a repor ou a receber de 1 ou 2 euros, cujo valor é inferior à despesa que a respetiva correção originou. A auditoria chegou ao pormenor de verificar que os arredondamentos deviam ser feitos à terceira casa decimal e não à segunda, como faziam os serviços municipais.
Não tenho nada contra o rigor, antes pelo contrário. Só não percebo como é que tanto zelo não foi capaz de evitar o descontrolo e os diversos "buracos", da administração central, regional e local. Tal como Jesus disse, "guias cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo!"

“Cumprimos escrupulosamente a legalidade”

TVS: É verdade que a autarquia contratou ilegalmente dois avençados?
PM: Não há qualquer ilegalidade nessas contratações. A câmara celebrou dois contratos de avença com dois advogados, um para a área do direito administrativo e outro para o contencioso. No relatório da auditoria não é posta em causa a necessidade da contratação, nem sequer o seu valor. O que os auditores alegam é que a contratação devia ser feita a pessoas coletivas (sociedades de advogados) e não a pessoas singulares (advogados), de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02.
Esse preceito dispunha que a celebração de contratos de tarefa ou avença devia ser efetuada, em regra, com pessoas coletivas, a não ser, excecionalmente, nos termos do n.º 4, quando se comprovasse ser impossível ou inconveniente observar tal regra. Ora, tendo já a câmara a experiência de uma avença com uma sociedade de advogados, em que os processos eram tratados por mais do que uma pessoa, perdendo-se a imediação, proximidade e o próprio conhecimento profundo dos dossiers, entendeu ser mais conveniente a contratação de duas pessoas singulares de reconhecida qualidade técnica, confiança e lealdade. Assim, está bom de ver que a própria lei permitia a contratação nos precisos termos em que foi efetuada.
Aliás, é conveniente esclarecer que a referida norma, ao dar preferência na contratação a pessoas coletivas, era incompreensível, havendo quem tivesse como explicação para a sua existência o facto de haver um lóbi de sociedades de advogados junto da assembleia da república. O certo é que essa norma era considerada por muitos juristas como ilegal, em virtude de limitar a concorrência e violar o direito comunitário. E, por isso, não admira que a mesma tivesse sido revogada pela Lei nº 3-B/2010, de 28/04. Estranha-se, por isso, que os auditores tenham feito constar do relatório da auditoria os contratos de avença com pessoas singulares, só se percebendo que tal tivesse acontecido por um mero intuito de "mostrar serviço".

TVS: Em causa estarão ainda a "contratação ilegal, em 2010, de duas aquisições de serviços", com montantes superiores a 44 mil euros, sob a aparência de "prestação de serviços"?
PM: Os auditores entenderam que dois outros contratos de avença que celebramos com duas pessoas singulares, um pelo prazo de um ano e com o valor de 15.000  mil euros , e outro pelo prazo de dois anos e com o valor de 18.446 mil euros deviam ter sido celebrados através do recurso ao contrato de trabalho e não à prestação de serviços ou "recibos verdes", como vulgarmente se diz.
Nesta matéria há uma divergência de entendimento, continuando os serviços municipais a entender que aquelas contratações respeitaram os requisitos legais.
De qualquer modo, e em abono da verdade, é necessário ter em consideração que o interesse público foi devidamente salvaguardado, sendo certo que se a câmara municipal tivesse celebrado dois contratos de trabalho, tal como defendem os auditores, a despesa teria sido superior.

TVS: A contratação da Diretora do Departamento de Educação e Ação Social foi ilegal?
PM: Os auditores entenderam que a contratação da Diretora do Departamento de Educação e Ação Social, efetuada em 17/07/2008, mediante contrato de trabalho a termo certo, devia ter sido efetuada ao abrigo do Estatuto dos Dirigentes. Também nesta matéria há uma divergência de entendimento, continuando os serviços municipais a entender que aquela contratação respeitou os requisitos legais e acautelou melhor o interesse público. Com efeito, caso a contratação tivesse sido efetuada mediante o Estatuto dos Dirigentes, o recrutamento teria de ocorrer entre funcionários com experiência profissional em carreiras, o que impunha lugar vago na carreira técnica superior do antigo quadro de pessoal, ficando o município, no fim da comissão de serviço, com a obrigatoriedade de integração do trabalhador no referido cargo.
Ora, é necessário lembrar que no anterior mandato foram preparadas alterações profundas na estrutura orgânica dos serviços municipais, com o intuito de tornar a gestão dos recursos humanos mais eficiente e racional. A câmara municipal não precisou que a Troika ou o Governo viessem exigir uma redução do pessoal dirigente e tomou a iniciativa de fundir seis departamentos em três.
Dado que na altura da contratação da Diretora de Departamento estava-se num período de redefinição das atribuições e competências dos departamentos, não era prudente contratar ao abrigo do Estatuto dos Dirigentes, antes se justificando a contratação a termo certo.
Assim, face à referida conjetura, está bom de ver que a modalidade que melhor garantia a salvaguarda do interesse público era o contrato de trabalho a termo certo, não se mostrando de todo aconselhável admitir alguém para o quadro face às indefinições existentes à data.
Acresce dizer que se a câmara municipal tivesse celebrado o contrato ao abrigo do Estatuto dos Dirigentes, tal como defendem os auditores, a despesa não teria sido inferior.

TVS: É verdade que o atual presidente da Câmara de Lousada e vereadores poderão ser obrigados a entregar ao município quase 200 mil euros?
PM: Com toda a certeza que não. Em primeiro lugar, porque cumprimos escrupulosamente a legalidade. Por outro lado, ainda que existisse alguma ilegalidade, o que não se concede, a responsabilidade seria apenas sancionatória (passível de multa) e não reintegratória, uma vez que os serviços foram prestados à autarquia, com qualidade e com preços justos. A não ser assim, haveria um enriquecimento sem causa da própria câmara, situação que qualquer jurista sabe que a lei não permite.
Repito, os auditores não colocaram em causa a necessidade das contratações, nem sequer o valor das mesmas, tendo questionado apenas os formalismos legais.

TVS: A vereadora Cristina Moreira é também uma das visadas no documento da IGF?
PM: A senhora vereadora exerce funções na Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal, como vogal não executivo da direção desta entidade e recebeu, entre 2009 e março de 2011, a verba de 3.462 euros, a título de senhas de presença, referente à participação nas reuniões desse órgão. Sendo as reuniões daquele órgão em Viana do Castelo, é óbvio que aquela entidade tem que pagar alguma compensação para as despesas que as deslocações implicam. Acontece que a Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal decidiu, erradamente, atribuir essa compensação a título de "senhas de presença", quando devia tê-lo feito a título de "ajudas de custo". Conclusão, a vereadora acabou por ficar prejudicada, tendo que devolver à Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal a referida quantia que recebeu, sendo que ninguém lhe paga as despesas que teve com a participação nas reuniões em Viana do Castelo e com as restantes deslocações em representação daquela entidade.

“Os auditores não colocaram em causa a necessidade das contratações, nem sequer o valor das mesmas, tendo questionado apenas os formalismos legais”

TVS: A mesma auditoria aponta, ainda, para a existência de irregularidades com as contratações a fornecedores, remetendo para o facto de a autarquia, na generalidade dos casos, ter favorecido apenas um único fornecedor. Que comentário lhe apraz fazer?
PM: A auditoria não conclui isso. O que é dito no relatório é que "A CML, nas aquisições de serviços incluídos na amostra, adotou o procedimento pré-contratual adequado, no caso, o ajuste direto, tendo em conta que o valor dos contratos a celebrar era inferior a 75.000 euros". O reparo que fazem os auditores é pelo facto de nalguns contratos não se ter consultado mais do que um prestador de serviços. Antes de mais, é necessário ter em consideração que essa consulta não é obrigatória, pelo que do ponto de vista legal nada há a apontar. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 114.º do Código dos Contratos Públicos, a entidade adjudicante pode, sempre que o considere conveniente, convidar a apresentar proposta mais de uma entidade.
Apesar de a lei não o exigir, o certo é que a câmara tem promovido sempre a consulta de outros prestadores de serviços. Quando não o faz de um modo formal, através de convite a apresentar proposta, fá-lo de um modo informal, consultando preços.
Também aqui se admira o zelo dos auditores. O que não se percebe é como foi possível algumas entidades públicas adjudicarem a construção de obras, no valor de milhões de euros, por ajuste direto com convite a apenas alguns empreiteiros. Mais uma vez, “coais o mosquito e engolis o camelo!”

“Interesse público foi devidamente salvaguardado”

TVS: O erário público saiu lesado?
PM: O erário público foi muito bem defendido. Como é óbvio, contratar uma sociedade de advogados não custa menos do que contratar um advogado. Obviamente, também, contratar com recurso a contrato de trabalho não custa menos do que contratar com recurso a "recibos verdes". Acresce que todas as prestações de serviços contratadas pela câmara foram antecedidas de consulta, formal ou informalmente.

TVS: A câmara vai recorrer das conclusões do relatório?
PM: O relatório não é passível de recurso. O relatório é enviado pela Inspeção-geral de Finanças ao Tribunal de Contas e este, por sua vez, dá seguimento ao assunto, se entender haver matéria para averiguar, ou arquiva o relatório, no caso contrário.

in: Jornal TVS