A Aritmética de Cavaco


"É uma figura tristíssima, é lamentável a declaração do Presidente da República. Sabe aritmética, mas não sabe mais nada. É uma pena não saber o que está em causa. Se diz que são 19, sai um e ficam 18, amanhã se sair Portugal são 18 e ficam 17. Essa conta fica-lhe muito bem fazer, mas ele não percebe a relevância desta saída. Transforma completamente a União Europeia."

Passos Coelho mente, mente e mente.

A mentira como método 

 


Depois da sessão de aquecimento em torno da emigração, eis que Passos Coelho mete prego a fundo na farsa dos mitos urbanos e decide oferecer aos portugueses um festival de mentiras como nunca antes visto. Que Passos Coelho mente, e mente reiteradamente, não é novidade. Mas, que me recorde, nunca o havia feito como na sexta-feira passada. Era o último debate quinzenal, e Passos Coelho deixou bem claro aquilo que pretende fazer até às eleições: mentir. Mentir repetidamente e sem qualquer tipo de pudor.

Não estamos a apenas a falar de falsas promessas, como dizer que não se vai cortar salários, não se vai despedir ninguém, não se vai acabar com o 13º mês e que se vai fazer austeridade apenas nas gorduras do estado e não nas pessoas. Isso era em 2011. Em 2015, depois de 4 anos a governar, para além de promessas mentirosas como no passado (como dizer a Bruxelas que pretende cortar nas pensões negando, em Portugal, que tal compromisso exista), há que acrescentar um outro tipo de mentiras, que são necessárias para ocultar o que se passou nos últimos 4 anos.

A troika, cuja vinda foi amplamente desejada, que foi uma aliada útil durante vários anos e que até pecava por défice de radicalismo no “ajustamento, passou a ser uma espécie de diabo que Passos heroicamente expulsou do país.

O IVA, que o memorando previa que fosse aumentado em 400 milhões de euros e que este governo aumentou em mais de 2000 milhões, nunca foi aumentado.

Os rendimentos dos mais pobres, apesar do brutal aumento do IVA e de praticamente todas as prestações públicas de combate à pobreza terem sido cortadas (Rendimento Social de Inserção, Complemento Solidário para Idosos, Complemento por Dependência), apesar da pobreza ter disparado, apesar do Orçamento de Estado para 2015 prever um novo corte de 100 milhões de euros em prestações sociais, não foram beliscados.

Os salários dos funcionários públicos e as pensões, que este governo insistiu obsessivamente cortar e que o Tribunal Constitucional, em 2013, 2014 e 2015, obrigou a devolver, estão a aumentar por mérito das políticas deste governo.

A educação, a saúde, a justiça nunca estiveram melhores. Aliás, o Estado, quer nos serviços públicos, quer no fisco, nunca funcionou tão bem e nunca foi tão amigo do cidadão como agora.

O investimento em ciência e na inovação, apesar da destruição dos últimos 4 anos, é uma grande aposta da atual maioria. O combate à pobreza que este governo criou também é.

O IRS, apesar do enorme aumento de impostos, superior a 30%, é agora amigo das famílias, apesar do governo ter optado por medidas regressivas de apoio às famílias com filhos que tratam os filhos de ricos de forma diferente dos filhos de pobres.

O consumo cresce sem recurso ao endividamento, apesar do crédito ao consumo ter disparado 30%.

As exportações nunca cresceram tanto, apesar de terem crescido bem mais antes deste governo entrar em funções e do crescimento presente ser, em grande medida, fruto de investimentos do passado, que não estão a ser feitos no presente.

O saldo externo positivo é uma reforma estrutural, apesar de ser, em grande medida, conjuntural, um produto da recessão e da queda das importações. No primeiro ano em que economia cresceu uns míseros 0.9% (depois de uma queda acumulada superior a 6%), as importações dispararam e o saldo externo degradou-se 30%. Os últimos dados conhecidos, apesar da desvalorização do euro e da queda do preço do petróleo, mostram que as importações continuam a crescer bem acima das exportações.

O investimento, apesar de ter caído 30%, regredindo a níveis de meados dos anos 80, dispara. O facto desse “disparar” ser explicado, não pelo investimento em sectores transacionáveis, como diz o Passos Coelho, mas pela compra de automóveis e pela construção (depois de colapsar, deu um pequeno suspiro), que não têm qualquer relação com o IRC – a grande reforma promotora do investimento deste governo – são pormenores irrelevantes.

O emprego, apesar dos 450 mil empregos destruídos, cresce espetacularmente. Passos Coelho garante que o emprego cresce por causa das reformas estruturais, que flexibilizaram o mercado de trabalho, e por causa da redução da dependência do Estado, apesar todos os recursos públicos (fundos europeus) usados para fabricar empregos (mais de 50% do “emprego” criado tem apoio público) e, sobretudo, apesar do emprego só ter deixado de cair quando o TC impediu Passos Coelho de concretizar o seu alucinado plano - anunciado no final de 2012 e reafirmado em abril de 2013 - de cortar 4 mil milhões de euros no Estado Social, em pensões e em salários da função pública.

A dívida pública, apesar das privatizações claramente além da troika, apesar de ter aumentado 30 pontos percentuais, mais do triplo do que o governo previa (dados que incluem todas as alterações de perímetro orçamental e de toda a dívida dita “escondida”), vai começar a baixar.

Há pouco, muito pouco da narrativa de Passos Coelho que não seja mentira ou, numa versão mais suave, uma aldrabice.

Há uma meia verdade, que é a história nos juros. Em 2011, de facto, os juros estavam elevadíssimos e eram incomportáveis. E os juros baixaram. Acontece que, da mesma forma que não foi Sócrates que fez disparar os juros da da Irlanda, da Espanha ou da Itália, também não foi Passos Coelho que, em 2012, fez baixar os juros de todos estes países, e muito menos foi Passos Coelho que, com a confiança gerada pelas suas políticas, fez com que os juros chegassem a níveis negativos. Por essa razão, da mesma maneira que foi a alteração do comportamento do BCE que permitiu pôr termo à crise das dívidas soberanas e baixar os juros, só o BCE pode evitar que Portugal volte a ser afetado por perturbações no mercado da dívida. Passar a ideia de que os juros estão baixos porque Portugal tem os cofres cheios, é não só falso como perigoso. Se algo de grave se passar, não são os cofres portugueses, por muito cheios que possam estar, que acalmam os mercados. No futuro, como no passado, o único cofre capaz de pôr termo a uma crise nos mercados da dívida é o BCE. Sugerir o contrário pode não ser considerado tecnicamente uma mentira, mas não é menos grave por isso.

in: Expresso

Há coisas do arco da velha (in: Jugular)

O OE aprovado em 2010 (para 2011) previa, não sei se se lembram, uma diminuição do financiamento das turmas das escolas privadas com contratos de associação para os 80.000€. Caiu o carmo e a trindade, manifestações durante a campanha eleitoral presidencial, CDS e PSD a chamarem ministros (do governo PS) à AR, era o apocalipse. Durante toda a campanha das legislativas a coisa atingiu proporções épicas, pressão mediática, e não só, constante (repesco o lindo panfleto do colégio de Penafirme). Ele era aviões publicitários a passar por cima de manifestações, interrupções de eventos de campanha do PS, foi um forró sistemático.

Uma das primeiras medidas de Passos Coelho foi, aliás, voltar atrás na diminuição do financiamente, contrariando um dos pontos do Memorando que lhe serviu de desculpa para quase tudo nestes últimos 4 anos ("1.8. do memorando de entendimento: (...)reduzindo e racionalizando as transferências para escolas privadas com contratos de associação").

Por que razão me lembrei disto agora? Acabo de ler no DN que o valor por turma vai, no próximo ano, baixar para 80.500 e «Apesar de o valor ser baixo, dá- nos estabilidade e previsibilidade, porque todos os anos o valor tem sofrido cortes”, frisa o diretor executivo da AEEP."»... how funny, este senhor já desempenhava o mesmo cargo em 2010 e 2011 e nenhum dos jornais que pegou no tema (DN e JN que eu desse por isso) se lembrou de lhe perguntar como é que conciliava as declarações apocalípticas passadas com a bonomia atual


Bernardo Ferrão arrasa programa do PSD/CDS



A coligação perdeu tempo (e fez-nos perder tempo). Demorou a resolver as questões internas, e a firmar o acordo que os leva de mãos dadas às legislativas, e atrasou-se no que realmente interessa: num renovado projeto para o país. E assim, o PS ganhou terreno. Outra vez.

E que terreno. O cenário macroeconómico primeiro e o projeto de programa socialista depois puseram o país a discutir os planos de António Costa. E a coligação de Governo relegada para o papel da oposição, a criticar… a oposição.

PSD e CDS dirão, como já dizem, que é com propostas para o futuro que se ganham eleições. Que os eleitores não votam no passado. Permitam-me discordar. E se é assim, porque insistem, como fizeram na apresentação das bases programáticas, no que lá vai? Na troika. No resgate. Nos desvarios da governação socialista. Nos estragos que herdaram.

Para quem tinha alguma expectativa (e eu não tinha) sobre as ideias da direita, desiludiu-se. A AD trouxe-nos um cromo repetido: o programa de estabilidade. E quis entreter-nos com uma mão cheia de desafios e garantias que nada têm de concreto. Um exemplo: O que fazem à Segurança Social? Silêncio. Por agora, nada. Nem uma proposta sobre um assunto tão relevante.

Passos Coelho e Paulo Portas vangloriaram-se. Ao contrário do PS não fazem promessas (mas já as fizeram). Ninguém as exige. O que se espera é que digam o que querem fazer daqui para a frente. Que apresentem ideias. Que nos expliquem porque merecem continuar.

Por mais eloquentes que sejam as palavras dos dois líderes partidários, isso só não chega. A coligação pôs-se a jeito. Quis marcar terreno, antecipando-se ao programa do PS, mas mostrou ao país inteiro quão atrasada está. E pior, sem nada para dizer.


in: Expresso