Parque Escolar - Reflexão

Parece que Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da educação, terá afirmado no parlamento nacional, acerca do programa de recuperação do parque escolar, o seguinte: "O programa da Parque Escolar foi uma festa para as escolas, para os alunos, para a arquitectura, para a engenharia, para o emprego e para a economia".

O país político e comunicacional rebolou-se de gozo com a "festa" de Lurdes Rodrigues. A "festa" deu o mote para toda a espécie de risotas, para comentadores políticos de todos os tamanhos a glosar o mote da ressaca. Em suma, a expressão da "festa" serviu para o costume: a ridicularização serve sempre um propósito, uma política.

Francamente, não percebo de que se riem.
É mau que ter edifícios renovados seja uma festa para as escola e os alunos? Porquê, é preferível ter escolas feias e frias, onde seja penoso estudar e trabalhar?
É mau que se usem os arquitectos e engenheiros portugueses para intervir numa das redes mais importantes do serviço público nacional? É preferível que haja mais desemprego de arquitectos e engenheiros, como se ele ainda fosse pouco?

Mesmo alguns dos que hoje defendem que o Estado deve apostar no crescimento e não se ficar pela austeridade, riem-se da "festa", como se ignorassem que um dos principais propósitos do programa de recuperação do parque escolar foi manter alguma animação na economia. Estão a rir-se de quem? Dos trabalhadores a quem o programa deu trabalho? Acham mais festivo que esses mesmos estejam agora no desemprego? É por isso que se riem da renovação do parque escolar ter sido uma festa para o emprego e a economia? Ou preferiam simplesmente que se tivessem entregue as obras todas a dois ou três tubarões da construção civil, que talvez tivessem gasto o suficiente em propaganda institucional para evitar este gargalhar maria-vai-com-as-outras acerca da festa?

Francamente não percebo o motivo da risota. Ou, melhor, percebo: a risota serve alguém, serve alguma coisa. Serve para tentar cobrir de ridículo quem se mexeu para aproveitar a oportunidade para fazer ainda mais alguma coisa pela escola pública. E serve, principalmente, para desculpar as mentiras torpes e irresponsáveis com que o actual ministro da educação lançou "o debate" sobre a questão, deturpando os dados, treslendo os relatórios para lançar um labéu que agora serve de refrão aos propagandistas da sua banda. A risota sobre "a festa" é o castigo de quem fala pelas suas próprias palavras, em vez de falar com a linguagem de pau dos políticos de galinheiro, nados e criados nas jotas e nos gabinetes deste e daquele vereador, secretário de estado ou administrador. A risota sobre as palavras de Lurdes Rodrigues mostra uma massa de gente a fazer o papel de tolo da aldeia, que se ri por ver rir sem compreender que é dele próprio que se riem.

A tese de que se gastou muito dinheiro não resiste bem às comparações internacionais. Por cá, o que a Parque Escolar fez, e como o fez, é muito melhor e muito mais limpo do que a maioria das obras comparáveis onde se gasta o dinheiro público. Mas isso não comove os promotores e os seguidores da risota acerca da "festa" de Lurdes Rodrigues. Muitos de nós fizemos a nossa formação em escolas cujos edifícios foram construídos suficientemente pomposos para mostrarem a proeminência da coisa pública, mas agora os locais da coisa pública, na ideologia de alguns, devem ser ou parecer refugo. E, afinal, o Estado só deve servir para acabrunhar as pessoas, não é isso?
Que coisa é essa de gastar dinheiro a fazer a festa da escola, a festa dos profissionais, a festa da coisa pública? O Estado deve gastar dinheiro é na polícia e nas bastonadas, não a fazer escolas. Não é isso? Se não é isso, porque se riem tanto da "festa" da escola e dos que para ela trabalharam?
E, mais, a raiva contra a "festa" é a raiva contra quem faz. Se a Parque Escolar não tivesse modificado os seus objectivos quando mudaram as condições, por exemplo quando aumentaram as necessidades de instalações graças ao aumento legal da escolaridade obrigatória, se tivessem feito cara de burocratas e tivessem mantido os planos iniciais, ter-se-iam protegido a si próprios, talvez - mas à custa do bem comum. Por isso, o que se passou foi também, acrescento eu, uma festa da responsabilidade cidadã de quem trabalha para o bem comum, contra a miséria moral dos que se encolhem e se protegem e apenas querem manter o seu currículo dentro das previsões do cinzento.

Sim, há muito por aí quem odeie que a intervenção do Estado possa ser uma festa para as pessoas e para o país. Sim, há muito por aí quem deteste que se façam coisas de que as pessoas possam beneficiar. Sim, há muito por aí quem deteste que se invista na escola pública - e, em geral, no serviço público. Quer isto dizer que tudo foi bem feito em todos os pormenores? Não. Mas também não engulo a conversa de "eu conheço a escola X e isto e aquilo foi mal feito", porque há sempre quem, não tendo de fazer, tem sempre muitas ideias acerca do que se deveria ter feito. Obviamente, esses críticos estão sempre dispensados de mostrar que a sua alternativa seria mesmo melhor e funcionaria: porque a maledicência funciona sempre melhor do que a obra feita num país como o nosso. Que esses sectores façam risota induzida e artificial com a "festa" de Lurdes Rodrigues, eu percebo. 

É mais um dispositivo de propaganda, é mais uma forma de substituir o debate pela chicana, é mais um truque para cobrir a forma desonesta como o ministro Crato colocou a questão no parlamento, é mais uma cortina de fumo sobre o conjunto das declarações de Lurdes Rodrigues no parlamento, porque os do costume não querem que se ouça o que ela disse. Percebo tudo isso.
Só não percebo porque é que algumas pessoas de esquerda deste país servem de caixa de ressonância ao murmúrio demente sobre a "festa" proclamada por Lurdes Rodrigues. Afinal, parece que há muita gente a ter assumido implicitamente a teoria, cada vez mais realidade, de que a força do Estado só pode servir para nos esmagar. Sim, porque nada disto tem a ver com um debate sério acerca da acção da Parque Escolar. Esse debate sério deixaria claro que prestaram um grande serviço ao país, embora se possam encontrar coisas menos perfeitas naquilo que fizeram. Coisas menos perfeitas que são muito especiosamente iluminadas por fazedores de relatórios e de discursos, mesmo que esses críticos não tenham muito como mostrar que são melhores a fazer segundo os critérios do bem comum.

Longa vida e saúde a quem tem a coragem de assumir que o serviço público pode e deve ser uma festa para as pessoas.