A voz dos independentes - Opinião do Prof. Dr. Pedro Nunes



Porque estão dotadas ao insucesso as iniciativas de reforma da Administração Pública do atual Governo, breves considerações…
Pedro Nunes (Lousadense)
Doutor em Gestão e Professor-Coordenador de Gestão Pública no ensino superior público



Prof. Dr. Pedro Nunes
O acelerado aumento do emprego público (com níveis expressivos em relação ao emprego total) tem sido uma inquietação para um conjunto de países com preocupações reformistas. O crescimento do emprego público não terá sido prudente, nalguns casos desmedido, à semelhança das tipologias de reforma. Assim, se há evidência que o emprego público possa ser excessivo, o seu processo de redução pode ser visto como uma medida que aumenta o bem-estar da comunidade, isto é, ser politicamente credível e aceitável. Mas, por outro lado, o aumento do emprego público poderá gerar uma pressão ascendente sobre os salários reais e, dessa forma, deslocar emprego do sector privado para o sector público e, portanto, gerar um efeito de deslocamento sobre o emprego e a produção no sector privado e, como toda a despesa tem que ser financiada, os impostos adicionais podem criar efeitos desincentivadores na atividade privada. Opta-se, hoje, e sem olhar a meios, para a segunda visão do problema como solução para uma dificuldade que à partida poderá ser falsa.

Se é bem verdade, por um lado, que a grande maioria dos países apresenta uma dimensão pública excessiva, prejudicial ao sector privado, por outro, também é verdade, que existe um conjunto de países (onde se inclui Portugal) que poderiam ver aumentado (ou mantido) o emprego público, sem que para isso fosse prejudicial ao output privado.

O atual Governo, talvez por teimosia, insiste em não perceber, ou não querer perceber, que a nossa dimensão é inferior à crítica, quer o modelo seja estimado na ótica do consumo público em percentagem do PIB, quer na ótica do emprego público no ratio do emprego total e, mesmo assim, insiste no problema do excesso de trabalhadores da Administração Pública, numa semana são os professores, noutra são os médicos, etc.

Apesar do que se refere, é por demais evidente que, mesmo nos países com fortes tradições de disciplina orçamental, não se impediu, com maior ou menor grau, um desmesurado crescimento das despesas públicas. Neste contexto, as tentativas de equilibrar o orçamento continuaram, mas foram também contornadas através de inúmeras brechas legais e argumentos de exceção. É aqui, na minha opinião, que as políticas reformistas do atual Governo são um caso de insucesso.

A busca por soluções melhor remuneradas, em termos políticos, é cada vez maior gerando desresponsabilização para além do mandato político. As políticas públicas que conhecemos, hoje, não passam de um conjunto de situações muito dissemelhantes que geram um sentimento crescente da indisciplina da política orçamental e da ineficácia dos instrumentos e instituições que tinham por objetivo controlá-la. 

Partilho a ideia de que não se trata, apenas, de ter mais ou menos Estado mas, isso sim, de se construir sobre as reformas macroeconómicas para gerar um Estado mais eficaz. É neste sentido que estou em desacordo com a violenta interrupção que o atual Governo fez, e continua a fazer, às reformas da Administração Pública e do Estado, iniciadas em 2004, pelo Governo Socialista. 

O atual Governo de coligação PSD-CDS continua sem compreender que as razões políticas necessárias para o sucesso das reformas e que ainda hoje permanecem como suporte fundamental ao seu êxito impõem três pilares fundamentais: i) as reformas devem ser politicamente desejáveis para os líderes políticos e para os eleitores (os custos políticos não devem estar sobrepostos aos benefícios políticos), ii) as reformas devem ser politicamente praticáveis; e, iii) as reformas deverão ser politicamente credíveis para os importantes stakeholders. Assim, assiste-se hoje, e até com indiferença (o que me atormenta), a reformas politicamente indesejadas pelos eleitores, politicamente impraticáveis e politicamente nada credíveis, pelos resultados que obtêm. Veja-se o exemplo dos cortes de subsídio de férias e de natal e o fracasso dessas medidas na contenção orçamental (já para não falar da inconstitucionalidade da solução adotada…), veja-se o exemplo da Lei nº 22/2012, de 30 de maio, que aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica que, num pomposo preâmbulo e numa designação não menos ostensiva, mais não é do que a redução numérica do número de Freguesias.

Não é possível, como refere o ilustre Constitucionalista Gomes Canotilho, reformar a Administração Pública sem que se reforme o Estado, e não é possível reformar o Estado sem reformar a Administração Pública. Não se trata, portanto, de um problema isolado de flexibilidade numérica e de flexibilidade funcional analisados de forma apartada e, até, extemporânea.

Boa parte da academia considera a existência de dois importantes movimentos de reforma. Por um lado as reformas que afetam o desenho e funcionamento das instituições, as reformas institucionais e, por outro, as reformas que podem centrar-se, não tanto no processo, mas no conteúdo da ação pública, são as reformas substanciais. É minha opinião que o atual governo tem uma aptidão e gosto invulgares pelo primeiro modelo (as iniciativas de reforma que afetam o funcionamento das instituições, institucionais portanto). E, neste contexto, sou da opinião que as iniciativas de reforma do anterior Governo se centravam (e bem) mais na ação pública, isto é, nas reformas substanciais. Se fizermos um lúcido e honesto exercício, em analepse, verificamos que áreas tão sensíveis à comunidade, como a saúde, a educação e a providência do Estado social, sofrerem entre 2004 e 2009 um enormíssimo desenvolvimento, não comparável com qualquer outro mandato político. Começamos a colher, hoje, uma formação de capital (físico e humano) que promove o crescimento e desenvolvimento económico, fruto das reformas socialistas. O atual Governo, para além da opção menos acertada do modelo de reforma da Administração Pública e do Estado, teima em defender, agarrado que está à ideia do aumento dos impostos e à diminuição da despesa pública (muito à custa da redução da despesa corrente), um conjunto de iniciativas que acabam por ter um efeito negativo no crescimento económico.

As avulsas iniciativas de reforma (indevidamente planeadas) e envoltas, muitas delas, num estranho (ainda que temporário) secretismo estão a levar o país à perda, para além do negativo crescimento económico, dos excelentes níveis de desenvolvimento que vínhamos alcançando.

Assiste-se, hoje, a uma lógica pseudo reformista baseada na lógica de mercado (privatizações, agências independentes, contratualismo…) e muito menos numa lógica (mais acertada) de iniciativas participacionistas (orientadas para o utente) e a iniciativas de desregulamentação e desburocratização, tal como foram as iniciativas de reforma do Governo Socialista e que foram abruptamente interrompidas. As reformas não se interrompem sem motivo e, mais do que isso, não se fazem de forma avulsa e sem homogeneidade. O atual Governo, para reformar a Administração Pública e o Estado deverá considerar, cumulativamente, três preceitos: i) a diversidade de instituições que constituem o serviço público (horizontal scope of the civil service); ii) a abundância de posições e cargos disponíveis, quer no âmbito da função política (cargos políticos de livre designação, não eleitos mas nomeados), quer no âmbito administrativo (altos cargos públicos de nomeação política) (vertical scope of the civil service); e, iii) variedade de estatutos de emprego público que abrangem as funções públicas que se cometem ao Estado (material scope of civil service). É este trabalho que não está feito…