Porque estão dotadas ao
insucesso as iniciativas de reforma da Administração Pública do atual Governo,
breves considerações…
Pedro
Nunes (Lousadense)
Prof. Dr. Pedro Nunes |
Se é bem
verdade, por um lado, que a grande maioria dos países apresenta uma dimensão
pública excessiva, prejudicial ao sector privado, por outro, também é verdade,
que existe um conjunto de países (onde se inclui Portugal) que poderiam ver
aumentado (ou mantido) o emprego público, sem que para isso fosse prejudicial
ao output privado.
O atual
Governo, talvez por teimosia, insiste
em não perceber, ou não querer perceber, que a nossa dimensão é inferior à crítica, quer o modelo seja estimado na
ótica do consumo público em percentagem do PIB, quer na ótica do emprego
público no ratio do emprego total e, mesmo assim, insiste no problema do excesso de trabalhadores da Administração
Pública, numa semana são os professores, noutra são os médicos, etc.
Apesar do que se refere, é por
demais evidente que, mesmo nos países com fortes tradições de disciplina
orçamental, não se impediu, com maior ou menor grau, um desmesurado crescimento
das despesas públicas. Neste contexto, as tentativas de equilibrar o orçamento
continuaram, mas foram também contornadas através de inúmeras brechas legais e
argumentos de exceção. É aqui, na minha opinião, que as políticas reformistas
do atual Governo são um caso de insucesso.
A busca por soluções melhor
remuneradas, em termos políticos, é cada vez maior gerando desresponsabilização
para além do mandato político. As políticas públicas que conhecemos, hoje, não
passam de um conjunto de situações muito dissemelhantes que geram um sentimento
crescente da indisciplina da política orçamental e da ineficácia dos
instrumentos e instituições que tinham por objetivo controlá-la.
Partilho a ideia de que não se
trata, apenas, de ter mais ou menos Estado mas, isso sim, de se construir sobre
as reformas macroeconómicas para gerar um Estado mais eficaz. É neste sentido
que estou em desacordo com a violenta interrupção que o atual Governo fez, e
continua a fazer, às reformas da Administração Pública e do Estado, iniciadas
em 2004, pelo Governo Socialista.
O atual Governo de coligação
PSD-CDS continua sem compreender que as razões políticas necessárias para o
sucesso das reformas e que ainda hoje permanecem como suporte fundamental ao
seu êxito impõem três pilares fundamentais: i) as reformas devem ser politicamente
desejáveis para os líderes políticos e para os eleitores (os custos políticos
não devem estar sobrepostos aos benefícios políticos), ii) as reformas devem
ser politicamente praticáveis; e, iii) as reformas deverão ser politicamente
credíveis para os importantes stakeholders. Assim, assiste-se hoje, e até com indiferença (o que me atormenta), a
reformas politicamente indesejadas pelos eleitores, politicamente impraticáveis
e politicamente nada credíveis, pelos resultados que obtêm. Veja-se
o exemplo dos cortes de subsídio de férias e de natal e o fracasso dessas medidas
na contenção orçamental (já para não falar da inconstitucionalidade da
solução adotada…), veja-se o exemplo da Lei nº 22/2012, de 30 de maio, que
aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial
autárquica que, num pomposo preâmbulo e numa designação não menos ostensiva,
mais não é do que a redução numérica do número de Freguesias.
Não é possível, como refere o ilustre
Constitucionalista Gomes Canotilho, reformar a Administração Pública sem que se
reforme o Estado, e não é possível reformar o Estado sem reformar a
Administração Pública. Não se trata, portanto, de um problema isolado de
flexibilidade numérica e de flexibilidade funcional analisados de forma apartada
e, até, extemporânea.
Boa
parte da academia considera a existência de dois importantes movimentos de
reforma. Por um lado as reformas que afetam o desenho e funcionamento das
instituições, as reformas institucionais e, por outro, as reformas que podem
centrar-se, não tanto no processo, mas no conteúdo da ação pública, são as reformas
substanciais. É minha opinião que o atual governo tem uma aptidão e gosto
invulgares pelo primeiro modelo (as iniciativas de reforma que afetam o
funcionamento das instituições, institucionais portanto). E, neste contexto, sou
da opinião que as iniciativas de reforma do anterior Governo se centravam (e
bem) mais na ação pública, isto é, nas reformas substanciais. Se fizermos um
lúcido e honesto exercício, em analepse, verificamos que áreas tão sensíveis à
comunidade, como a saúde, a educação e a providência do Estado social, sofrerem
entre 2004 e 2009 um enormíssimo desenvolvimento, não comparável com qualquer
outro mandato político. Começamos a colher, hoje, uma formação de capital (físico e humano) que
promove o crescimento e desenvolvimento económico, fruto das reformas
socialistas. O atual Governo, para além da opção menos acertada do modelo de
reforma da Administração Pública e do Estado, teima em defender, agarrado que
está à ideia do aumento dos impostos e à diminuição da despesa pública (muito à
custa da redução da despesa corrente), um conjunto de iniciativas que acabam
por ter um efeito negativo no crescimento económico.
As avulsas iniciativas de reforma (indevidamente
planeadas) e envoltas, muitas delas, num estranho (ainda que temporário) secretismo
estão a levar o país à perda, para além do negativo crescimento económico, dos
excelentes níveis de desenvolvimento que vínhamos alcançando.
Assiste-se, hoje, a uma lógica pseudo reformista baseada na lógica
de mercado (privatizações, agências independentes,
contratualismo…) e muito menos numa lógica (mais acertada) de iniciativas participacionistas
(orientadas para o utente) e a iniciativas de desregulamentação e
desburocratização, tal como foram
as iniciativas de reforma do Governo Socialista e que foram abruptamente
interrompidas. As reformas não se
interrompem sem motivo e, mais do que isso, não se fazem de forma avulsa e sem
homogeneidade. O atual Governo, para reformar a Administração Pública e o
Estado deverá considerar, cumulativamente, três preceitos: i) a diversidade de
instituições que constituem o serviço público (horizontal scope of the civil
service); ii) a abundância de posições e cargos disponíveis, quer no âmbito
da função política (cargos políticos de livre designação, não eleitos mas
nomeados), quer no âmbito administrativo (altos cargos públicos de nomeação
política) (vertical scope of the civil service); e, iii) variedade de
estatutos de emprego público que abrangem as funções públicas que se cometem ao
Estado (material scope of civil service). É este trabalho que não está
feito…