Helena Garrido |
O Governo prometeu-nos
toda a verdade e transparência. No acompanhamento das medidas
consagradas no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, nas
nomeações para os gabinetes ministeriais, nos apoios ao sector privado,
nas decisões em geral. Estava prometida a verdade sobre a realidade e a
transparência nas decisões. Depressa está a cair no esquecimento.
O Governo prometeu-nos toda a verdade e
transparência. No acompanhamento das medidas consagradas no Programa de
Ajustamento Económico e Financeiro, nas nomeações para os gabinetes
ministeriais, nos apoios ao sector privado, nas decisões em geral.
Estava prometida a verdade sobre a realidade e a transparência nas
decisões. Depressa está a cair no esquecimento.
É preciso falar verdade aos portugueses. Esta era uma das frases favoritas de Pedro Passos Coelho na era de Sócrates e nos primeiros meses de Governo.
De todas as verdades e transparências prometidas, apenas uma se mantém passados nove meses de governação: a verdade sobre os terríveis tempos de austeridade que nos esperam este ano. Uma verdade, sim, mas muito conveniente para assegurar o perfil que se deseja para este ajustamento: uma recessão profunda e rápida que nos conduza depressa à recuperação. O perfil que a troika quer e que se ajusta à gestão do ciclo eleitoral. É preciso sentir a recuperação o mais tardar em meados de 2014 para não perder eleições.
Todas as outras verdades prometidas foram votadas ao esquecimento. Entrámos na fase da gestão das verdades, com ocultação e concentração da informação.
A evolução da comunicação da troika é um exemplo. Começou sem controlo - tudo o que soubemos da primeira avaliação foi da boca da troika. O ministro das Finanças nada disse e a troika tudo disse. Foi tal a desorganização que o país conheceu os problemas financeiros da Madeira via Bruxelas, através de declarações do porta-voz de Olli Rehn. Na segunda avaliação, já todos estavam mais coordenados. Nesta terceira avaliação, a troika deixou de fazer a habitual conferência de imprensa. Os argumentos apresentados são fortes. Um deles é que o plano é do Governo e não da troika. O outro é que aqueles encontros com a imprensa transmitiam uma imagem de colonização. Na realidade, perdemos todos um mecanismo de escrutínio das decisões do Governo e o próprio Executivo perdeu uma arma de pressão contra os lóbis.
O mais recente exemplo do fim da era de toda a verdade está no caso da energia. Durante a segunda avaliação, que já alertava para os atrasos na concretização de medidas no sector da energia, o Governo comprometeu-se a apresentar "uma proposta para corrigir as rendas excessivas nos regimes especiais (cogeração e renováveis) e nos CMEC, que pertencem à EDP, e na garantia de potência". Para avançar nesse sentido, o Ministério da Economia encomendou um estudo que foi fechado a sete chaves para o público em geral. Divulgado, primeiro pela TVI e, depois, pelo Jornal de Negócios, foi criticado pelo presidente da EDP ainda antes de se conhecer o trabalho em todos os seus pormenores. Resumindo: o estudo da energia não podia ser divulgado, mas a empresa que mais era afectada pelos resultados do relatório conseguiu criticá-lo. Temos todas as razões para concluir que um documento que o Governo defendia como confidencial acabou nas mãos das empresas do sector. Como e porquê?
Assim acabou a fase de toda a verdade. É pena. Porque a verdade e a transparência podiam, e podem, ser um extraordinário aliado para um Governo que queira de facto mudar a estrutura de uma economia, romper de vez com a exploração de rendas por pequenos grupos ainda viciados pelo condicionamento industrial de Salazar. A tentação das tentações depois de um Governo condenar "toda a verdade" é controlar a comunicação social. Que a verdade nos livre dessa tentação.
É preciso falar verdade aos portugueses. Esta era uma das frases favoritas de Pedro Passos Coelho na era de Sócrates e nos primeiros meses de Governo.
De todas as verdades e transparências prometidas, apenas uma se mantém passados nove meses de governação: a verdade sobre os terríveis tempos de austeridade que nos esperam este ano. Uma verdade, sim, mas muito conveniente para assegurar o perfil que se deseja para este ajustamento: uma recessão profunda e rápida que nos conduza depressa à recuperação. O perfil que a troika quer e que se ajusta à gestão do ciclo eleitoral. É preciso sentir a recuperação o mais tardar em meados de 2014 para não perder eleições.
Todas as outras verdades prometidas foram votadas ao esquecimento. Entrámos na fase da gestão das verdades, com ocultação e concentração da informação.
A evolução da comunicação da troika é um exemplo. Começou sem controlo - tudo o que soubemos da primeira avaliação foi da boca da troika. O ministro das Finanças nada disse e a troika tudo disse. Foi tal a desorganização que o país conheceu os problemas financeiros da Madeira via Bruxelas, através de declarações do porta-voz de Olli Rehn. Na segunda avaliação, já todos estavam mais coordenados. Nesta terceira avaliação, a troika deixou de fazer a habitual conferência de imprensa. Os argumentos apresentados são fortes. Um deles é que o plano é do Governo e não da troika. O outro é que aqueles encontros com a imprensa transmitiam uma imagem de colonização. Na realidade, perdemos todos um mecanismo de escrutínio das decisões do Governo e o próprio Executivo perdeu uma arma de pressão contra os lóbis.
O mais recente exemplo do fim da era de toda a verdade está no caso da energia. Durante a segunda avaliação, que já alertava para os atrasos na concretização de medidas no sector da energia, o Governo comprometeu-se a apresentar "uma proposta para corrigir as rendas excessivas nos regimes especiais (cogeração e renováveis) e nos CMEC, que pertencem à EDP, e na garantia de potência". Para avançar nesse sentido, o Ministério da Economia encomendou um estudo que foi fechado a sete chaves para o público em geral. Divulgado, primeiro pela TVI e, depois, pelo Jornal de Negócios, foi criticado pelo presidente da EDP ainda antes de se conhecer o trabalho em todos os seus pormenores. Resumindo: o estudo da energia não podia ser divulgado, mas a empresa que mais era afectada pelos resultados do relatório conseguiu criticá-lo. Temos todas as razões para concluir que um documento que o Governo defendia como confidencial acabou nas mãos das empresas do sector. Como e porquê?
Assim acabou a fase de toda a verdade. É pena. Porque a verdade e a transparência podiam, e podem, ser um extraordinário aliado para um Governo que queira de facto mudar a estrutura de uma economia, romper de vez com a exploração de rendas por pequenos grupos ainda viciados pelo condicionamento industrial de Salazar. A tentação das tentações depois de um Governo condenar "toda a verdade" é controlar a comunicação social. Que a verdade nos livre dessa tentação.
in: Jornal de Negócios