"Votei convictamente no PSD e fui enganado, não há outra maneira de o dizer"

1. Um dos mais ouvidos comentários na fatídica noite de quinta-feira foi o de apelidar de corajosas as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro. Presumo que as pessoas que o fizeram também chamariam a um indivíduo que se atirasse para um precipício de corajoso.
Também ouvi várias pessoas a afirmar que, sim senhor, as medidas são duríssimas. Irão conduzir a mais recessão, provocarão falências em catadupa, farão que o desemprego suba para números impensáveis, resumindo: destruirão a já muito débil economia portuguesa. Porém, segundo estes, não havia alternativa. Não deixa de ser um raciocínio interessante. É assim como dizer a alguém: "Olha, não tens outra hipótese que não seja dares um tiro na cabeça."

Outra teoria sofisticada e profundíssima é a de termos de implementar o novo pacote de austeridade, o tal que vai destruir o tecido produtivo nacional e atirar uma fatia considerável da população para a pobreza, para quando tivermos já atingido a mais completa indigência termos moral para pedir um outro pacote de ajuda. Pois claro, deixamos arder por completo a floresta e depois chamamos os bombeiros.

2. Não deixa de ser um exercício curioso olhar para a declaração de voto do PSD ao tempo da rejeição do PEC IV e depois comparar com todas as medidas que foram implementadas desde que tomou conta do Governo.
Eu fui um dos que concordaram inteiramente com o derrube do anterior Governo e subscreveria uma por uma as razões aduzidas pelos ex-sociais-democratas para o derrube de Sócrates. Foi por essa razão e pelo plano apresentado que votei convictamente no PSD.  
Fui enganado, não há outra maneira de o dizer.  

Tirando uma reafirmada vontade de fazer reformas estruturais, que no caso de ainda ninguém ter pensado nisso levam tempo e não são realizáveis sequer numa legislatura, não sobrou rigorosamente nenhuma das propostas apresentadas.
Numa altura em que tanto se fala de responsabilidade dos políticos, gostaria de saber em que medidas estão a pensar para penalizar os governantes que fazem exactamente o oposto do que diziam ir fazer.

3. A justificação para este pacote para além da troika são os desvios orçamentais e os buracos entretanto descobertos. Para obrigar os portugueses a tão suicidas esforços convinha explicar de que é que se está a falar. É que o primeiro-ministro já deu tantas versões sobre os desvios, já deu tantos números diferentes que ninguém sabe a quantas andamos.

Estranhamente ou talvez não, poucas horas depois de Passos Coelho vociferar contra o anterior Governo e gestores públicos, o porta-voz da Comissão Europeia veio dizer que os tais desvios se devem à situação da Madeira, à redução da receita provocada pela já existente austeridade e pelo contexto internacional. Em que ficamos?

Mas, seja como for, vamos aceitar mais uma vez a palavra de Passos Coelho e dar como certos os desvios, sejam eles quais forem.

A questão mantém-se: pelo facto de eles existirem, isso é razão para dar cabo de uma vez por todas da economia, do país? Será que alguém acredita que desequilíbrios de décadas, que desmandos financeiros de muitos e muitos anos, que um despesismo descontrolado sem idade, que prestações sociais que claramente não podíamos pagar, que a gestão criminosamente ruinosa de empresas públicas durante tanto tempo e da responsabilidade de todos, repito, de todos os governos, de um endividamento insano, se corrigem em dois ou três anos?

Será que a vontade de atear um fogo que vai assar gerações inteiras de portugueses é tanta que não permite sequer ouvir vozes como a de Manuela Ferreira Leite, insuspeita da falta de vontade de implementar mais austeridade, quando ela grita aos quatro ventos que é preciso mais tempo e que devíamos estar concentrados em negociar com os nossos credores um muito maior alargamento de prazos?

Será que a obsessão em ser diferente da Grécia é tão grande que não permite ver que impor a receita grega tem uma gigantesca probabilidade de nos atirar para o mesmo buraco?

Que parte do discurso de Cavaco Silva, negligentemente tardio, não foi entendido quando o Presidente salienta a impossibilidade de sairmos da crise sem a intervenção das instituições europeias e que as suas causas estão muito para lá dos erros em Portugal cometidos?

Quem crê que sem uma atitude forte e consciente da Europa este ou qualquer outro pacote será espúrio e que outros pacotes ainda mais gravosos se seguirão?

O Governo enveredou pelo caminho da destruição criativa. Só que quando se fala da vida das pessoas os deslumbramentos ideológicos são criminosos.

O problema é que as pessoas vão fazer sacrifícios enormes e no fim vão ficar pior do que já estavam.

"O PEC Final" - in: DN
por: Pedro Marques Lopes