Transporte de eleitores por veículos governamentais, de
empresas públicas e camarários, como a presença de presidentes de junta
PSD nas mesas de voto, suscita o protesto da oposição e a censura da CNE
“Combinei com o regedor da freguesia para me ir buscar para dar o meu
voto ao Alberto João.” Maria Cristina de Sousa, 84 anos, é uma das
pessoas transportadas pela carrinha Toyota Hilux de matrícula 45-LI-01
da Empresa de Electricidade da Madeira que está “de serviço” à mesa de
voto da freguesia dos Prazeres, na Calheta. A conduzi-la está Élvio
Caboz, 26 anos, funcionário da empresa municipal Empreendimentos Sol
Calheta. “Soube que tinha de fazer isto na quinta-feira” explica, sem
disfarçar algum embaraço. Que aumenta quando lhe é perguntado quanto
recebe, e de quem, por este dia de trabalho que começou antes da
abertura das urnas, quando foi buscar as chaves da carrinha aos
bombeiros da Calheta. “Não sei quanto recebo. É uma boa pergunta, quem
me vai pagar.” Não é, porém, a primeira vez. “Já em 2009 e nas últimas
[as legislativas] fiz isto. Acho que me pagaram em dias, não tenho a
certeza.” Como identifica as pessoas a transportar é outra questão
complicada. “Normalmente faço transporte de idosos, conheço as pessoas,
vou a casa delas.”
Durante o tempo -- quase duas horas – que o DN esteve junto à mesa de
voto dos Prazeres, nenhuma das pessoas transportada pareceu incapaz de
se locomover pelos próprios meios. Um idoso de bengala que foi levado a
casa a partir da mesa de voto afirmou mesmo que vinha da missa, para
onde se deslocara, desde casa, a pé. Maurício Vieira, o presidente da
Junta, postado à porta do acesso à mesa de voto, situada no clube
desportivo da localidade -- “Tenho pouco tempo por ter de ir para dentro
[para a mesa de voto], estou aqui como delegado do partido [o PSD]” --,
contradiz o motorista: “As pessoas pedem que vamos a casa delas. E
temos este chofer que se voluntariou.” Perante a informação de que Élvio
espera ser pago, recua: “Por mim não é de certeza. A gente não está
aqui para influenciar o voto nem nada que se pareça. Quando as pessoas
não podem andar eu transporto-as.” Então tem uma lista de pessoas a
transportar? Sabe que vários partidos fizeram queixa desta situação à
Comissão Nacional de Eleições? “Não. Só combinei com esta senhora
[refere-se a Maria Cristina de Sousa]. E se os outros partidos estão a
protestar, também podem fazer isto se quiserem.”
No Estreito da Calheta, no mesmo concelho, outra Hilux da Empresa de
Electricidade, matrícula 44-LI-99, leva e traz gente. Serão aliás 12, de
acordo com um membro da respectiva Comissão de Trabalhadores, os
veículos da EEM entregues no concelho da Calheta com os depósitos cheios
na sexta-feira à noite, para no dia das eleições serem conduzidos por
“capangas do PSD”. O motorista desta, que quando vê uma máquina
fotográfica ao pé da carrinha vai chamar Susana Teles, vice-presidente
de uma das duas mesas que ali funcionam – a qual fica longos minutos a
fitar a equipa do DN -- recusa dizer sequer se trabalha para a empresa:
“Não tenho nada que me identificar. Lá por fazer este serviço não tenho
de falar.” José Manuel Piquita Nunes, presidente de uma das mesas que
funciona no local, não viu nada e nada sabe sobre a carrinha ou quem a
conduz, mas mostra o comunicado da Comissão Nacional de Eleições sobre
transporte de eleitores que acaba de chegar por fax, às 11.48. A CNE
frisa que o referido transporte só deve ser efectuado “em circunstâncias
excepcionais” -- quando os eleitores não se possam locomover por meios
próprios ou haja dificuldade nas acessibilidades. Mas Piquita Nunes,
quando lhe dizem que os eleitores transportados estão longe de ter
dificuldades de locomoção, encolhe os ombros: “Não sei, estou aqui
dentro [referindo-se à sala onde se vota]. E nesta zona não há
transportes públicos.” Também o delegado do CDS/PP, José Barros, que
lembra ter o seu partido denunciado a presença de presidentes de junta
nas mesas de voto, diz desconhecer o comunicado da CNE e faz coro:
“Estou aqui, não posso ver o que se passa lá fora”. Já Susana Teles, se
não tem como negar conhecer o motorista, tem uma espécie de branca: “Não
sei o nome dele. E não tenho de responder a isso.”
No Liceu Jaime Moniz, no Funchal, uma carrinha da Secretaria Regional
dos Assuntos Sociais traz para votar, depois do almoço, um grupo de
três idosos do Lar do Vale Formoso. O motorista confirma que trabalha
para a secretaria regional mas não quer dizer mais. E na freguesia de
Santo António e S. Roque pertencem à Câmara as carrinhas que se vêem, em
grande azáfama, a transportar gente para e das mesas de voto. Tatiana
Serrão, 18 anos, é uma das contempladas: “Vinha a pé mas vi-os passar e
apanhei boleia.” Vota na mesa junto à qual a PSP, chamada pelo PS e pelo
BE, convence o presidente da Junta a afastar-se. Na freguesia de S.
Roque, o presidente é “apanhado” por representantes do PS, que ligam à
CNE a denunciar a situação. “Ele já tinha sido avisado de manhã, mas
voltou à tarde, desobedecendo ao juiz”, diz um dos socialistas, Carlos
Pereira. Mas o presidente da junta, que se encaminha para a saída, nega
tudo: “Estive aqui de manhã e vim agora exercer o meu direito de voto.
Qual é o problema?”
Fernanda Câncio (DN)