Serviço Público que tem sido censurado

"Uma semana na madeira, uma reportagem por dia. publicadas no dn papel e com acesso pago no e-paper, não estão on line. depois de colocar aqui a que fiz sobre o jornalismo na ilha, posto a que saiu no dia 10, sobre o dia das eleições." - Fernanda Câncio (DN)


Transporte de eleitores por veículos governamentais, de empresas públicas e camarários, como a presença de presidentes de junta PSD nas mesas de voto, suscita o protesto da oposição e a censura da CNE

“Combinei com o regedor da freguesia para me ir buscar para dar o meu voto ao Alberto João.” Maria Cristina de Sousa, 84 anos, é uma das pessoas transportadas pela carrinha Toyota Hilux de matrícula 45-LI-01 da Empresa de Electricidade da Madeira que está “de serviço” à mesa de voto da freguesia dos Prazeres, na Calheta. A conduzi-la está Élvio Caboz, 26 anos, funcionário da empresa municipal Empreendimentos Sol Calheta.  “Soube que tinha de fazer isto na quinta-feira” explica, sem disfarçar algum embaraço. Que aumenta quando lhe é perguntado quanto recebe, e de quem, por este dia de trabalho que começou antes da abertura das urnas, quando foi buscar as chaves da carrinha aos bombeiros da Calheta. “Não sei quanto recebo. É uma boa pergunta, quem me vai pagar.” Não é, porém, a primeira vez. “Já em 2009 e nas últimas [as legislativas] fiz isto. Acho que me pagaram em dias, não tenho a certeza.” Como identifica as pessoas a transportar é outra questão complicada. “Normalmente faço transporte de idosos, conheço as pessoas, vou a casa delas.”

Durante o tempo -- quase duas horas – que o DN esteve junto à mesa de voto dos Prazeres, nenhuma das pessoas transportada pareceu incapaz de se locomover pelos próprios meios. Um idoso de bengala que foi levado a casa a partir da mesa de voto afirmou mesmo que vinha da missa, para onde se deslocara, desde casa, a pé. Maurício Vieira, o presidente da Junta, postado à porta do acesso à mesa de voto, situada no clube desportivo da localidade -- “Tenho pouco tempo por ter de ir para dentro [para a mesa de voto], estou aqui como delegado do partido [o PSD]” --, contradiz o motorista: “As pessoas pedem que vamos a casa delas. E temos este chofer que se voluntariou.” Perante a informação de que Élvio espera ser pago, recua: “Por mim não é de certeza. A gente não está aqui para influenciar o voto nem nada que se pareça. Quando as pessoas não podem andar eu transporto-as.” Então tem uma lista de pessoas a transportar? Sabe que vários partidos fizeram queixa desta situação à Comissão Nacional de Eleições? “Não. Só combinei com esta senhora [refere-se a Maria Cristina de Sousa]. E se os outros partidos estão a protestar, também podem fazer isto se quiserem.”

No Estreito da Calheta, no mesmo concelho, outra Hilux da Empresa de Electricidade, matrícula 44-LI-99, leva e traz gente. Serão aliás 12, de acordo com um membro da respectiva Comissão de Trabalhadores, os veículos da EEM entregues no concelho da Calheta com os depósitos cheios na sexta-feira à noite, para no dia das eleições serem conduzidos por “capangas do PSD”. O motorista desta, que quando vê uma máquina fotográfica ao pé da carrinha vai chamar Susana Teles, vice-presidente de uma das duas mesas que ali funcionam – a qual fica longos minutos a fitar a equipa do DN -- recusa dizer sequer se trabalha para a empresa: “Não tenho nada que me identificar. Lá por fazer este serviço não tenho de falar.” José Manuel Piquita Nunes, presidente de uma das mesas que funciona no local, não viu nada e nada sabe sobre a carrinha ou quem a conduz, mas mostra o comunicado da Comissão Nacional de Eleições sobre transporte de eleitores que acaba de chegar por fax, às 11.48. A CNE frisa que o referido transporte só deve ser efectuado “em circunstâncias excepcionais” -- quando os eleitores não se possam locomover por meios próprios ou haja dificuldade nas acessibilidades. Mas Piquita Nunes, quando lhe dizem que os eleitores transportados estão longe de ter dificuldades de locomoção, encolhe os ombros: “Não sei, estou aqui dentro [referindo-se à sala onde se vota]. E nesta zona não há transportes públicos.” Também o delegado do CDS/PP, José Barros, que lembra ter o seu partido denunciado a presença de presidentes de junta nas mesas de voto, diz desconhecer o comunicado da CNE e faz coro: “Estou aqui, não posso ver o que se passa lá fora”. Já Susana Teles, se não tem como negar conhecer o motorista, tem uma espécie de branca: “Não sei o nome dele. E não tenho de responder a isso.”

No Liceu Jaime Moniz, no Funchal, uma carrinha da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais traz para votar, depois do almoço, um grupo de três idosos do Lar do Vale Formoso. O motorista confirma que trabalha para a secretaria regional mas não quer dizer mais. E na freguesia de Santo António e S. Roque pertencem à Câmara as carrinhas que se vêem, em grande azáfama, a transportar gente para e das mesas de voto. Tatiana Serrão, 18 anos, é uma das contempladas: “Vinha a pé mas vi-os passar e apanhei boleia.” Vota na mesa junto à qual a PSP, chamada pelo PS e pelo BE,  convence o presidente da Junta a afastar-se. Na freguesia de S. Roque, o presidente é “apanhado” por representantes do PS, que ligam à CNE a denunciar a situação. “Ele já tinha sido avisado de manhã, mas voltou à tarde, desobedecendo ao juiz”, diz um dos socialistas, Carlos Pereira. Mas o presidente da junta, que se encaminha para a saída, nega tudo: “Estive aqui de manhã e vim agora exercer o meu direito de voto. Qual é o problema?”


Fernanda Câncio (DN)