É muito mais difícil ser de direita do que de esquerda. Em relação à
riqueza, a direita justifica e protege as desigualdades quanto à sua
posse, enquanto a esquerda defende a sua diluição pelo maior número,
acabando na abstracção comunista da abolição da propriedade privada.
Justificar racionalmente uma desigualdade material é tarefa difícil,
defender a partilha do que não é nosso é apetite fácil. Em relação à
moral, a direita justifica e protege uma ordem imperativa e punitiva,
enquanto a esquerda defende o relativismo e a subjectividade. Justificar
racionalmente um qualquer código social coercivo é tarefa difícil,
defender a liberdade individual é apetite fácil.
Por estas razões a esquerda é maioritária e mais diversificada do que
a direita, incluindo no seu espectro a social-democracia. Marx chegou a
pretender fazer da evidência quantitativa uma suposta ciência, ao
imaginar que não faltaria muito para o número de proletários ser
suficiente para a então inevitável revolução. Saiu-lhe o sector
terciário pela culatra e lá se foi a utopia para o galheiro. Já a
direita tende a uniformizar-se colectivamente, cultivando as diferenças
na dimensão da privacidade e do estilo de vida. Entre a esquerda e a
direita há variados pontos de contacto e de fusão , há baldios que podem
ser ocupados à vez ou ao mesmo tempo e há migrações, como é o caso dos
liberais, que podem ser de direita ou de esquerda consoante as épocas e
lugares. O mínimo denominador comum entre a esquerda e a direita,
todavia, é a muralha da Cidade – isto é, o respeito pela Lei que garante
os direitos e estabelece os deveres, e, last but not least, o zelo pela coesão da comunidade.
À luz do que se passou nas duas últimas legislaturas, onde a elite do
PSD e CDS conspirou abertamente com vista ao derrube do Governo através
de assassinatos de carácter e tentativas de criminalização, podemos
perguntar se existe direita em Portugal pois não se pode reclamar de
direita quem faz da calúnia uma ideologia. Neste dois partidos não se vê
nem um exemplar para amostra, tendo de se recorrer a comentadores
avulsos e figuras de referência actualmente afastadas da vida política
activa para identificar genuínos representantes da direita. Mas ainda
mais interessante é o caso da esquerda, onde muitos dos que nela
encontram a identidade política por falta de status, ou por
acaso intelectual, não resistiriam às primeiras e mais básicas tentações
do poder. A História tem mostrado uma e outra vez as propriedades
transitivas da natureza humana.
in: Aspirina B