- "O governo
regional da Madeira é presidido desde 1978 por Alberto João Jardim, que
goza de um estatuto excepcional na política portuguesa, em termos de
imunidade, limitação de mandatos e acumulação de pensão de reforma com
vencimento do cargo. Mas o sistema político regional tem também a
particularidade de não impor aos titulares de cargos públicos, incluindo
governantes e deputados, o regime jurídico de impedimentos e
incompatibilidades vigente no resto do país.
- Ao assumir esta
excepção, Jardim tem garantida a fidelidade de um conjunto de deputados
que, como advogados ou empresários, prestam serviços ou fazem negócios
com o seu governo, sem estarem sujeitos a qualquer comissão de ética ou
registo de interesses. Isto permite, por exemplo, que Jaime Ramos,
presidente dos Industriais da Construção Civil, aprove contratos de
concessões rodoviárias, alterações ao regime de contratação pública e
planos de investimentos; que Miguel de Sousa, administrador da Empresa
de Cervejas, aprecie a concessão e prorrogação do casino ao grupo
Pestana, que detém a referida cervejeira; que Rui Moisés, presidente das
Casas do Povo, vote contra auditorias a irregularidades em tais
entidades; ou que Guilherme Silva, vice-presidente da Assembleia da
República, seja jurisconsulto avençado de órgãos regionais que favorece
nas discussões de diplomas em São Bento; ou ainda que Coito Pita e
Tranquada Gomes sejam, como advogados, defensores do governo que, por
mandato, devem fiscalizar.
O presidente da Assembleia da Madeira mantém, há 14 anos, na gaveta um projecto de lei de incompatibilidades e de impedimentos encomendado ao constitucionalista Jorge Miranda e que, a ser aplicado, afastaria do exercício de funções a maioria dos actuais titulares de cargos públicos e dos deputados sociais-democratas regionais. PS, PCP e BE apresentaram iniciativas para pôr termo ao off-shore político em que tem vivido a região, mas o PSD tem chumbado tais diplomas alegando que constitucionalmente está estabelecido que "o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio" da região é definido no respectivo estatuto político-administrativo que recusa rever.
Se estivesse em vigor o primeiro projecto de Jorge Miranda, o sistema madeirense seria eliminado e a maioria dos deputados - cujo estatuto vigente não prevê quaisquer incompatibilidades, embora usufruam de remuneração e regalias idênticas aos deputados da Assembleia da República - ficaria arredada do hemiciclo da Avenida do Mar. E não poderiam continuar a aprovar orçamentos e decretos regionais que alegadamente os beneficiam em obras públicas, concessões e contratos."