Jardim. Milhões. 1500


Alberto João Jardim vai sair sem pagar a conta. Deixará o exemplo de que o crime de gerar dívida às escondidas compensa e que as vitórias eleitorais valem tudo. Disse-se "vergado" pelas condições que lhe foram impostas por Lisboa para o salvarem de uma humilhante bancarrota mas sacou mais 1500 milhões de euros. E, vai-se a ver, o empréstimo do Governo central à Madeira tem um período de carência que faz com que as prestações só comecem em 2016! João Jardim sai em 2015... E não sei se ouviram o que ele disse com atenção... "Investimentos feitos na hora certa", em "obra que já ninguém retira ao povo madeirense". Toma lá e embrulha. 

Trás-os-Montes nunca mais tem a auto-estrada porque o túnel do Marão custa 350 milhões. Jardim rapou cinco vezes mais num ápice. Tire-se-lhe o chapéu. E disse mais: em 2014 até já terá superavit no Orçamento!!! Depois de lhe oferecerem 1500 milhões! Que ele só começa a pagar em 2016! Em terra de cegos quem tem um olho é rei. 

É com exemplos destes que dá para perceber melhor os alemães. Como se viu no fim-de-semana, a senhora Merkel quer mandar um manga-de-alpaca tomar conta do orçamento grego - ou então não manda dinheiro para Atenas. Pois devia mandar-se alguém para o Funchal tomar conta do orçamento da Madeira. Ainda há dias já não havia dinheiro sequer para pagar a dívida às farmácias da região e obviamente muitos madeirenses não têm culpa das loucuras betonizadas do seu líder, apesar de serem bastante culpados por o elegerem sucessivamente. Mas por via das dúvidas seria importante garantir-se que este homem não faz de novo dívidas às escondidas.

Claro que... se Jardim não aceitasse um "tutor", que se demitisse, e nós ralados. Desta vez, a maioria PSD/CDS no Parlamento nem sequer está refém dos votos telecomandados dos deputados madeirenses ou do "ventríloquo" Guilherme Silva. "Regozijo", disse Guilherme Silva sobre o acordo com Jardim. "Convergência". "Jardim engoliu um elefante". Número de circo? E dos bons.

Apetece chorar de tanto riso ou tragédia. É verdade que a carga fiscal na Madeira sobe 25% e se aproxima da do Continente, mas não nos deixemos enganar. Como poderia ser diferente? A conferência de Imprensa de Jardim na Madeira a falar do empréstimo com sentido de Estado foi mais uma encenação própria para enganar os portugueses que comem notícias "fast food de telejornais" sem muitas perguntas. Mas as coisas, nuas e cruas, são assim: só os próximos governos madeirenses, a que Jardim já não presidirá, pagarão durante 19 anos este empréstimo de aflição para fazer face à bancarrota em que deixou a região, com um défice de 23% em 2010. 

A dívida total da Região Autónoma da Madeira ascende a 6238 milhões de euros. É bom que se repita muitas vezes até que se fixe: a dívida da Madeira (seis mil milhões) é apenas 25% menor que a das 308 autarquias do continente todas juntas (oito mil milhões). Todas juntas, ok? As 308.

Diga-se em defesa do imperador que, na verdade, os números de dívida não são muito diferentes dos do Governo central (a Madeira tem uma dívida de 122% do PIB enquanto a dívida portuguesa é de 102% neste momento). Ou seja, Jardim consegue ser pior do que o tal Sócrates que tanto criticou (ou elogiou quando este lhe deu a correr 700 milhões para apoio à tragédia das intempéries). Bem parecidos, os dois.
"O actual Governo da República, apesar de emparedado ante a desgraçada herança recebida e as imposições internacionais, respondeu positiva e afirmativamente ao nosso pedido de assistência financeira". Jardim a elogiar Passos... Ring a bell? Passos Coelho, portanto, amochou. Todos amocharam. Alguém disse um dia o essencial: "O senhor não precisa de elogios, a obra que realizou ao longo destes anos fala por si". Foi Cavaco Silva, encomiástico-majestático, durante uma visita à Madeira. Pois muito obrigado, senhor presidente. Eu não diria melhor. Sobre como chegamos aqui.

in: JN