Fintar a limitação de mandatos: fraude à democracia


O Governo prepara-se para enganar os eleitores a propósito da lei de limitação de mandatos. Aproveitando a sua falsa reforma administrativa do poder local e as previsíveis alterações à lei eleitoral, o Governo iniciou um debate etéreo em torno de limitações sobre o território vs limitações sobre a função.

Percebe-se bem porquê: a maioria dos autarcas em situação de impedimento são precisamente do PSD e quem lidera este dossier é um dos homens do seu aparelho, Miguel Relvas. Depois de simular um debate em torno da reforma administrativa do poder local, que na prática não passa de uma operação de extermínio de freguesias, Miguel Relvas prepara-se para fintar a lei de limitação de mandatos com as novas unidades territoriais que venham a ser criadas.

Ora, se esse debate incide sobre as freguesias, o elo mais fraco de toda esta operação, já todos percebemos que o maior interesse nunca designado está nas Câmaras Municipais. A lógica é singela: se o Governo permitir que o presidente de uma Junta de Freguesia que esteja a chegar ao limite legal dos seus mandatos possa ser candidato a uma nova Junta que incorpore o território da freguesia fundida, então daí decorre que o mesmo seja aplicável a um presidente de Câmara na mesma situação.

Abre-se assim as portas à violação em cadeia da lei vigente, beneficiando em larga medida o partido maioritário do actual Governo. Passos Coelho já disse ao que vem:
«O primeiro-ministro e presidente do PSD defendeu, este sábado, que a lei de limitação de mandatos foi feita para impedir os autarcas de se recandidatarem à respetiva câmara ou junta de freguesia, podendo estes candidatarem-se a outras autarquias. (...)»

Acontece que para além de qualquer interpretação metafísica sobre o território, a lei é muito clara e dirige-se à função. Basta ler o conteúdo da lei nº 45/2005 de 29 de Agosto que estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais:

«(...) 1- O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
2- O presidente da câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumiraquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
3- No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.» (Lei nº 45/2005 de 29 de Agosto).

Podemos aceitar melhorias à actual lei, a alteração do número máximo de mandatos, o alargamento a outros órgãos ou até a outros eleitos nos mesmos órgãos, mas jamais podemos aceitar que o bom princípio republicano da limitação de mandatos possa estar à mercê de pequenos cálculos políticos que não dignificam a nossa democracia. Não é em vésperas da primeira vaga de limitações que as regras do jogo devem mudar com mais ou menos subterfúgios.

A alteração desta disposição constitui uma clara fraude aos eleitores. O PS implementou a actual lei vencendo as resistências do PSD de Marques Mendes e muitos caciquismos locais. Sem concessões em função de casos particulares, a actual direcção do PS deve assumir desde já a inviolabilidade desta disposição e bater-se por ela até às últimas consequências.


Tiago Barbosa Ribeiro
in: O Portugal Futuro