Inevitabilidades convenientes... (in: TVS)

Nelson Oliveira
Desde há uns tempos para cá, tudo no nosso país passou a ser inevitável devido ao discurso que nos invade e faz-nos crer que é tudo uma verdade inquestionável.

A crise era inevitável. Está mais do que impregnado na nossa sociedade que foram os cidadãos a viver acima das suas possibilidades e por isso merecem o castigo austero que hoje sofrem.

Já a culpa, é inevitavelmente de todos os Portugueses e não do conjunto de pessoas que lideraram o mundo, a europa ou o país. As PPP’s, submarinos, BPN, Estádios de Futebol, etc, foram inevitabilidades de governações Portuguesas que culpam-se mutuamente e, por fim, dizem ao “povinho” para pagar esta… inevitabilidade.

A crise subprime foi inevitável. Não por culpa dos especuladores financeiros, da banca, das imobiliárias, mas sim do povo que almejou ter uma casa, até porque, aqueles que olham do alto do poderio económico financeiro ainda devem estar a questionar-se como permitiram que a classe trabalhadora tenha algum dia conseguido viver um bocadinho melhor, ter uma casa própria, um carro, fazendo até bons negócios com o empréstimo bancário e juros associados
Estes pequenos prazeres da vida, são um ultraje para os senhores que dominam o mundo e o poder político. Os mesmos que, através dos seus bancos, andaram a emprestar dinheiro que não tinham, ou a gerar fortunas em proveito próprio para depois ser o “Zé Povinho” a pagar os seus prejuízos. O caso BPN é a personificação disso mesmo em Portugal.

Ah… e quanto às reformas. Essa é outra inevitabilidade já entranhada na sociedade. O povo Português já assumiu perante a dita inevitabilidade, que os impostos que todos pagam tendem a ser mal geridos pelas pessoas que elegem e por essa razão, teremos que viver na miséria os últimos anos da nossa vida, porque o não pagamento de uma reforma é mais uma daquelas inevitabilidades a curto prazo e que infelizmente a maioria da população está a aceitar este “facto” de forma impressionante, sem questionar, mesmo tendo direito a ela.

Reparo que existem hoje seres supremos na esfera Humana. Que tudo mandam, tudo exigem e pensam que o povo tem que viver de acordo com a velha máxima: “Pobretes mas alegretes”. Pensam que devíamos voltar ao tempo da “outra senhora”.

Substitui-se a solidariedade pela caridadezinha, pela sopa dos pobres porque é assim que o povinho merece, pensam eles. Aquele povinho que viveu acima das possibilidades. Não foram os políticos, e/ou líderes mundiais, nem muito menos a alta finança que viveu acima das possibilidades e emprestou dinheiro que não tinha ou investiu de uma forma criminosa e negligente. Não.

Segundo estes supra-sumos das lides mundiais, a culpa é do povo que um dia quis comer mais do que uma sardinha mas devia ter ficado prostrado na sua insignificância laboral, enquanto os deuses da suprema inteligência fabricavam esquemas económicos falhados com a conivência dos Estados. Mas esse povo que nada pode fazer, que viva de ar e que nem piem porque desde sempre andaram armados em ricos. Qual ter uma casa ou carro, qual quê? Isso está destinado a seres supremos, que tudo podem, tudo exigem, tudo controlam, tudo mandam.

Que se pode dizer daquelas pessoas que souberam poupar, que fizeram um bom negócio com o empréstimo da casa, que até passam alguns dias de férias fora de casa e tem o dinheiro contadinho com filhos a seu encargo? Esses nunca deveriam ter ousado sair da lama porque agora, dizem-nos de caras que é inevitável voltar ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído.

E depois lá estarão os senhores da dita classe superior e da inteligência a falar da inevitabilidade. Os mesmos que até fazem uma perninha em instituições de “caridade”, que até cumprimentam o pobre e dão-lhes uma sopa.

Mas há uma missão a cumprir nesta nova ordem mundial - Castigar esse povinho que tentou ir mais além do que o berço permitia e responsabiliza-los com a divida, o desemprego e o défice. Há que apontar-lhes o dedo e dizer-lhes - Vocês viveram sempre acima das vossas possibilidades.

Por exemplo, o povo do ordenado mínimo, ou melhor - o povinho do RSI, aqueles culpados de tudo e mais alguma coisa que vão retirar ao Estado 300M€ no próximo ano (cerca de 0,3% do bolo total do Orçamento de Estado), ao passo que pagaremos alegremente juros agiotas à banca que nós próprios financiamos - em 2013 serão cerca de 7,1 mil M€ -.9,17% da despesa prevista.

Enquanto vivermos neste moralismo de classes não vale a pena lutar por esta Europa. A solidariedade deixa de existir e parece que é inevitável surgir a caridadezinha. É sempre inevitável empobrecer, tornar o povinho feio, pobre e mau? Não, não é!

Inevitável… devia ser a luta contra a passividade, pela justiça, dignidade e unidade, pelo pagamento sério dos nossos compromissos numa verdadeira “União” Europeia, pelo sucesso, pelo nivelamento em alta da sociedade e acima de tudo pelo Humanismo. Afinal, estes são os princípios que levaram à formação da União Europeia.


Nelson Oliveira
in: TVS