Há 15 anos, quando Diana, então princesa de Gales, morreu, não foram só os media que juraram nunca mais: rios de tinta correram sobre a separação entre público e privado e a perigosa dança que tantos, como ela, julgaram poder dançar. Claro que o arrependimento e a reflexão e sobretudo as consequências de um e outra duraram o fósforo que estas coisas costumam demorar, e a doença que matou Diana fez-se pandemia.
Símbolo da paradoxal "modernização" da monarquia, Diana estava condenada muito antes de entrar no túnel de Alma. Por definição, a realeza não tem privacidade: os corpos dos reis são políticos, Estado feito carne e osso. Não assim há tanto tempo, as suas noites de núpcias eram testemunhadas pela corte. Rimo-nos disto, não é? No pós-Big Brother, não devemos. Nem podemos, quando ainda temos na retina as imagens do PM na praia a estender a humilde toalha num areal sobrelotado, de mão dada com a mulher, e a beijá-la no mar.
A panóplia de imagens desse primeiro dia de férias, que quase todos os jornais, incluindo este, colocaram na primeira página, tem, parece, uma explicação: o PM teria combinado com os media que podiam tirar todas as fotos que quisessem e depois deixá-lo em paz. Ou seja, publicou-se como "naturalidade" uma encenação. E os media, ao omitir a informação fulcral da autorização, foram coautores. Isto é grave? É. E é-o tanto mais quando a "verdade" e o "não viver acima das possibilidades" está no centro do discurso político de Passos. Ao voltar ao rés do chão modesto e à praia apinhada de que fez o ano passado a caminhada triunfal da sua vitória, este quis fazer passar a ideia de que não só "não mudou" como que comunga das dificuldades dos portugueses e não tem medo de os enfrentar na sua justa cólera pelas promessas não cumpridas. Sucede que, para tal, as forças de segurança sitiaram a localidade - sem que alguém nos informasse sobre qual o efetivo no terreno e calculasse o preço de tanta modéstia. 15 dias de férias num resort recatado custariam mais uns tostões ao PM mas poupariam muitos em horas extraordinárias das polícias. E, o que devia ser para Passos muito mais relevante, poupariam aos seus a exposição e a possibilidade de cenas desagradáveis, até perigosas.
Se Passos tem direito à privacidade e a não ser incomodado quando está com a família de férias, seja onde for? Isso nem se discute. Mas se o PM tivesse regressado a Manta Rota em nome desses princípios não teria havido imagens autorizadas. Nem assistiríamos ao perfeito alinhamento desta instrumentalização do privado com o resto do discurso político de Passos: tanto finge ser um homem como os outros apanhado num momento íntimo que encenou ao milímetro como nos garante, no Aquashow pontalício, que apesar de estarmos pior estamos muito melhor que antes dele. E que, claro, é nele, alguém capaz de vender sem regatear (ou mesmo sem dar por isso) o que de mais precioso há, que devemos confiar como salvador.
in: DN (Fernanda Câncio)