Santana Castilho *
Co-autor do Programa do Governo (PSD/CDS)
É recorrente considerar que a falta de
preparação profissional responde por boa parte da falta de
competitividade da economia portuguesa, embora seja astronómica a
dimensão do dinheiro consumido por programas de formação, em 38 anos de
democracia. Compreende-se o paradoxo quando se analisam os critérios (ou
a sua ausência) que têm presidido às respectivas decisões políticas.
Nuno Crato acaba de persistir na via da leviandade. Não é ele que
conhece as necessidades de formação dos activos das empresas. São os
próprios e as suas empresas. Não é ele que deve decidir sobre o futuro
dos jovens. São os próprios e os seus pais. Mas proclamando
irrelevâncias e desconhecendo realidades, acaba de desviar 600 milhões
de euros, reservados à formação de activos, para financiar o sistema
formal de ensino e serenar os reitores (para as universidades e uma tal
“formação avançada” irão 200 milhões). A isso e a um esboço de resposta
atabalhoada ao prolongamento da escolaridade obrigatória se resume o que
acabou de fazer, em nome do mal tratado ensino profissional.
Relevemos o anacrónico (não parece mas é o
mesmo ministro que agora deseja ter 50 por cento dos jovens em ensino
profissional que, aquando da preparação do ano-lectivo que se inicia
daqui a dias, mandou reduzir, em proporção superior, os cursos que o
sustentam) e digamos o que é preciso dizer: o ensino profissional é um
logro, que resulta da total ausência de pensamento estratégico sobre o
crescimento da economia e da sucessiva arrogância de ministros, que
decidem sobre o interesse do país e das gerações em formação, sem debate
nem deliberações públicas.
Os cursos profissionais têm sido, na
maioria esmagadora das situações, expedientes para manter no sistema e a
qualquer preço jovens que o abandonariam precocemente ou para obter o
mesmo diploma em menos tempo e com dispensa das disciplinas papão. Os
Cursos de Educação e Formação, sabe quem está no terreno, foram
desenhados para quem terminou o segundo ciclo do básico em situação de
forte risco de abandono e com fartos historiais de indisciplina. E com
as excepções meritórias que só confirmam a regra, os cursos
profissionais, que lhes dão sequência no ensino secundário, enfermam do
mesmo vício e arregimentam, por norma, jovens desinteressados. Nuns e
noutros, sabem os professores as pressões que sofreram para fabricarem
falsos êxitos. Nuns e noutros, por exemplo, a ponderação sofrida por
indicadores de avaliação de desempenho, a este propósito, gerou
cozinheiros que nunca descascaram uma batata ou viram uma panela e
directores que sucumbiram ao facilitismo, acossados pela celebrada
avaliação externa das instituições que dirigem. O que poderia ser
interessante e útil tem-se manifestado, assim, um engano para os jovens,
um martírio para os professores, coagidos a contemporizarem com tudo
porque o desemprego é a alternativa, e um desperdício de tempo e
recursos para todos.
É neste contexto que Nuno Crato confessou
ter por objectivo que 50 por cento dos jovens do ensino secundário
frequentem, ainda este ano, vias profissionais de ensino. Ao fazê-lo
tornou uma vez mais patente o seu desconhecimento sobre o que existe e
sobre o que fazer. As opções dos alunos estão tomadas e nada do que diga
ou faça as fará mudar este ano. É elementar. No que toca ao futuro,
para compreender que Crato clame por 50 por cento de jovens em cursos
profissionais, quando começou a reduzir tal ensino nas escolas públicas,
teremos que admitir que se prepara para o fazer crescer por via da
iniciativa privada. Seria bom que nos esclarecesse. Sobre isso disse
nada e menos ainda sobre o essencial, a saber:
1. O problema de fundo é cultural e
ideológico. Com efeito, continuamos a assumir que a norma é o ensino
conducente à universidade e tudo o mais são soluções de recurso e menos
nobres. Muitos pais de alunos com manifesto desinteresse por cursos
universitários receiam estigmatizar os seus filhos com opções por cursos
de carácter profissional.
Enquanto socialmente esta questão não for
debatida e o ensino profissional dignificado e autonomizado em escolas
de prestígio, seriamente articuladas com as empresas (como fazem alemães
e suíços, por exemplo), servidas por mestres socialmente reconhecidos e
livres de preconceitos de falsas erudições, o país não avança.
2. Um sistema sério de ensino
profissional supõe, imperativamente, o conhecimento das necessidades de
formação colocadas por uma estratégia de crescimento económico e a
existência de serviços de orientação profissional e escolar que cubram
todo o país e ajudem jovens e pais a tomarem, livremente, decisões que
lhes pertencem e de que o Estado não pode nem deve apropriar-se.