Mesquinhez, erros e… importância a mais

Nelson Oliveira
Jean-Noël Kapferer (1993) refere que o boato é o meio de comunicação mais antigo do mundo. Um meio que “não pretende ter carater válido mas sim convencer”.

Com o advento das redes sociais, há um enorme cultivo dos boatos ou informações que bem esmiuçadas não interessam para nada, mas divertem quem as recebe e projeta. Em abono da verdade, também é um facto que este tipo de informação desvanece-se passados poucos dias muito devido à sua enorme probabilidade de erro e perfeito desinteresse para a sociedade.

A este propósito surge o “escândalo e o horror” em torno das declarações de Sócrates sobre o jogo Portugal-Coreia. Não é que o malandro (mentiroso dirão alguns, entre outros nomes) disse que aquando o jogo, ia a ouvir o relato no caminho para a escola?

Apressaram-se as carpideiras do fact checking, pela voz do irrevogável Nuno Melo – qual campanha negra de marketing ao estilo de Fernando Moreira de Sá com sede na Lapa, referindo que esse dia tratava-se de um sábado (23 de julho) e, por esse motivo, tinham apanhado Sócrates em mais uma das suas mentiras colossais e com enormes repercussões para o país. Soaram os alarmes, o caos estava instalado a nível mundial pela imprecisão de uma recordação de criança com 8 ou 9 anos sobre um mero jogo de futebol (sabia lá ele se ia para a escola, para a catequese, ou para outro sitio qualquer!).

Acontece que por entre as várias críticas, surgiram timidamente novidades mas que nunca conseguem apagar o boato. Afinal, em 1966 havia mesmo aulas ao sábado, de manhã é certo, mas que por vezes se prolongavam à tarde, como muitos confirmaram. Afinal, havia pessoas que afirmavam terem férias a partir de Junho mas em Julho decorriam exames ou outras atividades escolares.

Houve até quem, antes da entrevista do imperdoável, mentiroso e intragável Sócrates, tenha dito “Eu, que aos 11 anos não era muito dado a futebóis, saí das aulas, na Escola Industrial, às 14h50. Era o dia 23 de Julho de 1966, um sábado, e às 15h00 começou o jogo, a contar para o Campeonato do Mundo. Era o Portugal-Coreia do Norte (…)” - Eduardo Fonseca, jornalista e autor do programa na TSF 'Hora da Bola'. Certamente, mais um trapaceiro este Eduardo Fonseca, ou até, envolvido na teoria conspirativa das aulas ao sábado de tarde.

Mais importante ainda. Sócrates não disse que teve aulas. Disse sim, que foi para a escola, local onde colegas confirmam ter sido ponto de encontro para diversos jogos de futebol entre crianças.

Verdade ou não. Toda esta história, não interessa minimamente. Até poderá ser mentira, e depois? Uma história com quase 50 anos sobre um jogo de futebol foi metida nas tricas partidárias e no ódio visceral a uma figura que ninguém admite atribuir-lhe qualquer importância, mas pelos vistos, todos lha dão.

Tem sido sempre assim. Um constante “diz que disse” em que o “meu mente menos que o teu”, conseguindo-se projetar factos acessórios ao invés do que realmente importa.


Nota: Não deixo de referir o gozo que me deu observar quem criticou a “mentira” de Sócrates (versão 1966).

São precisamente os mesmos que, há apenas 5 anos atrás, criticavam a mesquinhez de Pacheco Pereira quando acusou o atual PM – Passos Coelho, de ter mentido quando disse: “Por exemplo, li Kafka muito depois da 'Fenomenologia do Ser', de Sartre”.

Na verdade, não existe nenhum livro de Jean Paul Sartre intitulado – “Fenomenologia do Ser”!

Muito menos os “Violinos de Chopin Parte II” que Santana Lopes afirmou, em tempos, ter ouvido.

in: Verdadeiro Olhar