É tempo de voltar a analisar as ideologias – que, para o bem ou para o mal, não morreram. Até 1980-90, os conservadores eram de direita (moderada), os liberais reformistas e os democratas-cristãos autênticos eram de centro, e os socialistas ou sociais-democratas (propriamente ditos) eram de esquerda.
Com as doutrinas de Hayek e de Friedman, postas em prática pela dupla Reagan-Thatcher, bem como em consequência da globalização, do comércio livre, dos hedge funds em paraísos fiscais – e também da extinção da URSS – o mundo virou à direita: os neoconservadores tornaram-se mais radicais, os liberais e os democratas-cristãos passaram a conservadores, e os socialistas democráticos procuraram uma «terceira via» que, pelas mãos de Blair/Brown e de Bill Clinton, se afirmou capitalista e pro-rich, abandonando a sua tradição socialista e pro-poor. Tudo isto, porém, ocorreu no quadro da democracia pluralista, sem nunca ultrapassar «pelo menos na Europa, EUA e Japão» - a fronteira que separa a direita democrática do fascismo (Marine Le Pen não é neoliberal).
Aconteceu, entretanto, que a ala mais à direita do Partido Republicano dos EUA (com Bush filho, Romney, Tea Party, etc.) se transformou muito rapidamente num movimento radical, quase-revolucionário, que se tem afirmado como politicamente «neoconservador» e economicamente «neoliberal». Tal transformação transmitiu-se à Europa: Merkel e Sarkozy, Berlusconi, Aznar e Rajoy, Passos Coelho/Paulo Portas (com os respectivos ministros, como Victor Gaspar, e principais assessores, como António Borges).
Deixando por hoje de lado o que diz respeito ao neoconservadorismo (na política externa e interna), procuremos caracterizar a corrente neoliberal, profundamente elitista, que manda na Europa actual:
a) Crença absoluta no mercado e desconfiança total em relação ao Estado (bit e-government);
b) Protecção legal aos mais ricos, sobretudo através da redução dos respectivos impostos, na convicção de que só eles investem, criam empregos e, assim, impulsionam o crescimento económico;
c) Prática constante, e progressiva, de cortes substanciais nas despesas sociais, por se entender que o Separe Skate é uma ilusão perigosa; e que os mais pobres, tornando-se subsídio-dependentes, prejudicam o interesse nacional e não merecem protecção (ou não merecem senão protecção mínima).
O ódio de classe – que Marx considerava ser a ira justa dos pobres contra os ricos – mantém-se, mas de pernas para o ar: é agora a raiva profunda dos ricos contra os pobres, os inúteis, os incapazes que só sabem viver à mesa do Orçamento, à custa dos impostos dos ricos, sendo estes os únicos que dão emprego a quem verdadeiramente quer trabalhar.
Não há, por estas razões, nenhum governo neoliberal que não baixe significativamente a carga fiscal e parafiscal (T.S.U) dos empresários e que não suba, tanto quanto possível, a dos trabalhadores, apesar de nunca conseguirem diminuir o défice e a dívida.
Todos os filósofos gregos – Platão, Xenofonte, Aristóteles – chamavam a isto uma forma de governo «oligárquica», cuja degeneração externa era a «plutocracia» (o governo do dinheiro).
Comparemos agora esta tão actual doutrina neoliberal com o pensamento arcaico (?) do «fascista» Oliveira Salazar, em 13 de Abril de 1929.
Escreveu ele: a reforma tributária (então publicada) guia-se, entre outros, pelo princípio da quase uniformidade das taxas dos vários impostos, «com as excepções que favorecem, em todos os países civilizados, os rendimentos provenientes só do trabalho do contribuinte» (A reorganização financeira, Coimbra Editora, 1930, p. 102).
Problema insolúvel da ciência política: como pode um democrata neoliberal de hoje situar-se mais à direita do que um ditador «fascista» de há 80 anos?!...
Diogo Freitas do Amaral, Visão nº1022, 4 a 10 de Outubro de 2012, p. 46.