O inteligente Borges inventou um estratagema para pôr
os trabalhadores, já na penúria, a financiarem as empresas através do
aumento dos descontos para a segurança social e a redução da TSU. A
ideia "extramente inteligente", não fosse ela do muitíssimo inteligente
Borges, nunca tinha sido experimentada em lugar algum. Os empresários,
como todo o resto do País, foram contra. Não por uma questão de
solidariedade, mas porque acham que trabalhadores falidos são
consumidores falidos. Pensam que não há exportações que nos salvem da
destruição do mercado interno. Os ignorantes tiraram assim
ao espantosamente inteligente Borges o Nobel que lhe estava reservado.
O tremendamente inteligente Borges é demasiado grande
para este País. Tem de lidar com gente ignorante que não passaria no
primeiro ano do seu curso, disse ao lado do genial ministro que fez de
uma assentada um curso inteiro. Porque voltou o barbaramente inteligente
Borges para a piolheira? Porque também o mundo é demasiado pequeno para
ele. O FMI despediu-o por ser inteligentemente incompetente. Ninguém
sabe o que fez, durante dois anos, como vice-presidente da Goldman Sachs
(um entre centenas), o grupo financeiro que ajudou o governo grego a
enganar a Europa e que mais responsabilidades tem na crise financeira
internacional. Terão sido, com toda a certeza, coisas inteligentes.
Como Chairman da Hedge Fund Standards Board, deu uma entrevista à BBC. No Hard Talk,
o estrondosamente inteligente Borgres tentou explicar a Stephen Sackur
os seus inteligentes pontos de vista sobre ética e a utilidade para a
economia das suas funções. Perante olhos mais ignorantes, a prestação
foi desastrosa e esclarecedora. Como acontece por vezes aos
intelectualmente mais dotados, dava a ideia de estarmos perante um
pateta que deixava clara a obscuridade imoral do seu ofício.
Incompreendido lá fora, porque o avassaladoramente
inteligente Borges vive à frente do seu tempo, regressou ao cantinho que
o viu nascer. Passos Coelho contratou-o para tratar das privarizações.
Que não têm, como se está a ver na TAP, corrido muito bem. É o problema
de lidar com investidores externos não menos ignorantes que os
empresários domésticos.
Desde que chegou, o tragicamente inteligente Borges tem
dado inteligentes opiniões. Que os salários dos portugueses têm de
baixar e que quem acha que os portugueses não têm de apertar o cinto
está um bocadinho a dormir. Palavras do deprimentemente inteligente
Borges, que saca, todos os meses, 25 mil euros aos contribuintes. Que a
RTP devia ser concessionada, ficando as despesas para o Estado e o lucro
para quem agarrar a mesada, propôs o pateticamente inteligente Borges.
Que as despesas com os funcionários públicos correspondiam a 80% dos
custos do Estado, um número assim um bocadinho para o exagerado, mas
natural em alguém que, absorto no seu próprio brilho intelectual, não
perde tempo com minudências. De cada vez que o incontinentemente
inteligente Borges abre a boca cria um drama no governo. Diria
Tchekhov: "que sorte possuir uma grande inteligência, nunca lhe faltam
asneiras para dizer".
Nunca duvidei, como por estas linhas fica claro, da
incomparável genialidade do inteligente Borges. O problema são os
políticos, os empresários, os trabalhadores, os portugueses, o FMI, os
mercados, os jornalistas, a BBC, Portugal e o Mundo. Neste País, António
Borges foi, em tempos, vendido como um homem de autoridade técnica
incomparável. Exposto o produto na montra pública dos media, percebe-se
finalmente o seu valor. Aquilo é areia demais para a nossa camioneta.
Areia que nos sai cara.
Daniel Oliveira
Publicado no Expresso Online