O que nos querem esconder?

Pela segunda vez em seis meses, os grupos parlamentares do PSD e do CDS votaram contra uma proposta de lei do PS e antes do BE que pretendia tornar claro quem de facto são os proprietários dos órgãos de comunicação social a operar em Portugal.

Sexta-feira passada foi-nos relembrado que para a maioria parlamentar basta saber que uma televisão, uma rádio ou um jornal é propriedade da "Javoslixo" sociedade anónima com sede no Panamá ou nas Ilhas Virgem para que não existam mais perguntas a fazer.

O principal capital dos media é a sua credibilidade, a confiança que os consumidores têm na informação que lhes é dada. Sempre assim foi, mas com a Internet e a infinita capacidade de acesso a informação os media tradicionais reforçaram a sua posição de garantes da qualidade. Não é em vão que a Wikileaks passou os dados que detinha para títulos como o Guardian ou o New York Times. Estes títulos fizeram o mais importante: deram o aval às informações. Sem esse selo de garantia nunca teriam o impacto que tiveram - paradoxalmente, ou talvez não, é exactamente na altura em que mais recorremos aos media tradicionais como garantia de qualidade que estes vivem a crise mais profunda. Confiança e credibilidade são as palavras- -chave na relação entre produtores e consumidores de informação. Ho- je mais que nunca. Não será preciso discorrer sobre a nossa dependência dos media para construirmos as nossas opiniões e convicções.

Para que confiemos nos órgãos de comunicação social é absolutamente essencial sabermos diversos aspectos da sua vida começando, como deve ser, pelo principio: quem são os accionistas. Já sabemos que para os deputados do PSD e do CDS (poucos estarão sensibilizados para o assunto, mas, para o bem ou para o mal, são todos responsáveis) isso não é relevante. Para esses senhores não importa saber se o sr. Silva, fabricante e comercializador de atoalhados, sendo esse o seu principal negócio, é também grande accionista dum jornal. Eu acho que é. Só assim vou poder interpretar melhor notícias sobre os concorrentes do sr. Silva ou sobre o sector dos atoalhados.

Para os grupos parlamentares da maioria não é importante saber se um accionista da "Javoslixo", proprietário duma televisão, é um ditador, um dono dum casino, uma igreja ou uma outra coisa qualquer. Mais, também não lhes parece importar se o accionista dessa sociedade anónima sediada no Panamá dona dessa televisão é também accionista duma outra sociedade anónima com sede em Jérsia proprietária duma televisão concorrente. E não acham sequer necessário saber o nome do homem ou da mulher que domine uma empresa que fique a explorar uma televisão que seja, por louco exemplo, contratualmente obrigada a fazer serviço público. Até podem pensar que uma qualquer Fox News o pode fazer, apesar de não quererem saber quem é o dono dessa cadeia de televisão...

Não são só os consumidores de informação que precisam de saber quem são os verdadeiros donos dos media, as suas possíveis outras actividades e interesses. Os próprios colaboradores, jornalistas e outros, são parte interessada e deve-lhes ser assegurado o direito de saber para quem realmente trabalham.

As senhoras e os senhores deputados acham, portanto, que tudo isto não interessa nada. Bom, das três uma: ou estão interessados em matar duma vez por todas os media tradicionais contribuindo para que os cidadãos percam a confiança nas televisões, rádios ou jornais, ou não percebem rigorosamente nada do sector, ou existe uma agenda escondida inconfessável.

Dizem-nos que a transparência já está assegurada pela actual lei. Sejam francos, sabem que é uma redonda mentira e basta olhar para jornais cujos donos são apenas siglas. Mas, a quem não interessa a completa transparência da propriedade dos órgãos de comunicação social? Quem são as pessoas que querem mandar em órgãos de comunicação social mas não querem dar a cara, sobretudo numa altura em que é previsível uma mudança de cenário e de actores no sector? Quem não quer que se saiba quem manda nos media? Quem foi a pessoa que deu a ordem aos grupos parlamentares para votarem neste sentido? Qual o seu interesse? O da defesa da liberdade de imprensa e da transparência não é de certeza absoluta.

A democracia precisa de órgãos de comunicação social livres, independentes e transparentes. Consciente ou inconscientemente, os deputados da maioria contribuíram para que o sector dos media seja menos livre, menos plural e menos transparente. 
 
Pedro Marques Lopes