A verdade do número de desempregados em Portugal


A ler, absolutamente, este post de Nuno Serra (o primeiro de uma série), que desmascara os números do desemprego em Portugal. Já que os media não fazem o seu trabalho, analisando e investigando os números apresentados pelo Governo (assim colaborando activamente numa gigantesca frade estatística montada para servir a narrativa do "milagre económico"), que o façam os economistas independentes e as redes sociais. É a única maneira de furar a barragem de propaganda que nos atinge diariamente.

(A ler também os artigos de Mariana Mortágua e Eugénio Rosa, linkados por Nuno Serra.)

«Quem já não procura emprego há mais de seis meses também é eliminado das estatísticas. E assim com menos 300 mil emigrados, mais de 170 mil a fazer cursos de formação e mais uns largos milhares que já desistiram de procurar emprego, o desemprego comprime-se, compacta-se, é combatido e esmagado. (...) A diretora-geral do FMI há-de começar mesmo a interessar-se pelo assunto e quererá novos dados, quantitativos e qualitativos. (...) Gaspar, de forma propositadamente lenta para ela perceber bem, dir-lhe-á o seguinte: em primeiro lugar, é preciso subir em 1/3 os impostos e cortar em 2/3 a despesa pública. Num segundo momento, é necessário subir os impostos em 2/3 e em cortar 1/3 na despesa. É também importante deixar disparar o desemprego [e dizer] ao povo que emigrar é uma grande oportunidade. (...) A cereja em cima do bolo é colocar o Instituto de Emprego e Formação Profissional a fazer imensos cursos de formação. Como se sabe (a dra. Lagarde não sabe), quem está a fazer um curso de formação profissional deixa de contar para o desemprego.»


O gráfico lá em cima permite perceber o valioso contributo estatístico que os mecanismos de «ocupação de desempregados» - através da sua afectação a cursos de formação profissional e a «programas de emprego» (que excluem as situações de «integração directa no mercado de trabalho») - têm tido na camuflagem, ao longo dos últimos dois anos, das verdadeiras dimensões do desemprego. De facto, se entre o primeiro trimestre de 2002 e Junho de 2011 o número médio de «desempregados ocupados» rondava os 24 mil (que nunca chegaram a representar mais de 7% face ao número de desempregados apurado pelo IEFP), desde Setembro de 2011 o número de «desempregados ocupados» passou a situar-se, em média, nos cerca de 94 mil (atingindo-se o recorde de 171 mil em Junho passado), que representam aproximadamente 20% face ao número de desempregados do IEFP. O que significa, portanto, que 1 em cada 5 desempregados não é contabilizado enquanto tal, fazendo assim parte das situações de emprego fictício.

E estamos, sublinhe-se, perante um novo padrão na relação entre o desemprego e a formação profissional. Com efeito, se somarmos aos desempregados do INE os «desempregados ocupados» do IEFP e compararmos os valores obtidos com o número de desempregados do INE (excluindo portanto a formação profissional e a integração em programas de emprego), apenas a partir do primeiro trismestre de 2012 se começa a formar um hiato relevante (e crescente) entre as duas séries de valores (como mostra o gráfico seguinte). Um hiato que, como referido, atingiu o valor de 171 mil desempregados, registado no final do segundo trimestre de 2014.



Se à manipulação estatística da formação profissional juntarmos a emigração e a «exportação de desempregados», a precariedade associada a uma parte significativa do emprego criado ou o peso relativo dos desempregados que desistiram de procurar emprego (exercícios a que se têm dedicado, por exemplo, Eugénio Rosa e Mariana Mortágua), percebemos como é frágil e ilusória a propaganda governamental em torno da redução do desemprego e dos «sinais» de retoma da economia. Confirmando, aliás, o fracasso da profecia dos partidos do governo, segundo a qual caberia à iniciativa privada (e ao esmagamento do papel do Estado) o papel de «chave-de-ignição» da suposta retoma (descobrindo-se contudo que mais de metade do novo emprego criado no último ano foi, afinal, subsidiado pelo Estado).

in: Ladrões de Bicicletas