A culpa não é de Sócrates





Jaime Marta Soares saiu da Câmara de Vila Nova de Poiares a garantir que não tinha quaisquer responsabilidades na situação financeira do município. Esteve lá 40 anos. Mas o social-democrata é apenas um exemplo da responsabilidade dos dois principais partidos na situação de iminente ruptura de 19 autarquias do país - dos 209 mandatos sufragados desde 1976 nas câmaras em ruptura iminente, PS e PSD governaram 90% do tempo.

O i analisou os resultados eleitorais nas duas centenas de municípios a braços com uma dívida que está, no mínimo, 300% acima da receita média anual dos últimos três anos. PSD e PS são os principais responsáveis pela bancarrota em que as câmaras municipais mais endividadas do país se encontram. Somados entre si, os dois partidos conquistaram o poder 185 vezes.

No Cartaxo, Renato Campos esteve cinco mandatos aos comandos do município (entre 1976-1993). No mesmo período, Martim Pacheco Gracias (também do PS) dirigiu a Câmara de Portimão, para, depois de um intervalo, ser Manuel da Luz a dar continuidade ao mandato. José Soares Miranda dominou o município de Fornos de Algodres durante 16 anos, José Barbosa Carneiro esteve 20 anos no Nordeste (Açores) e Arménio Pereira passou outros 16 anos em Paços de Ferreira. Todos eles eleitos pelo PSD.

Jorge Correia e Eduardo de Brito dividiram o poder em Seia durante 33 anos, até 2009. Carlos Almeida chegou a Celorico da Beira em 1976, pela mão do CDS. Reeleito pela Aliança Democrática nas autárquicas seguintes, só em 1993 deu o lugar ao PS, depois de mais três mandatos ganhos com as cores do PSD. Júlio Santos agarrou o leme durante três mandatos (o último já pelo Partido da Terra), e José Monteiro chegou em 2005 para reclamar para as hostes socialistas os três últimos mandatos.

A corda financeira rebentou nesta legislatura, quando o governo anunciou o Fundo de Apoio Municipal (FAM). As autarquias com maiores dificuldades em responder ao passivo acumulado (ver quadros ao lado) foram encostadas à parede e o recurso ao fundo tornou-se quase inevitável. Nestes 20 casos, a dívida total rondará os 650 milhões de euros. É esse o bolo com que o executivo vai compor o FAM, dando aos municípios sete anos para dispensar metade desse valor, uma vez que a contribuição se faz em proporções iguais entre o poder local e o Estado central.

E a lista de responsáveis continua. Em Castanheira de Pêra, Júlio Henriques, Pedro Henriques e Fernando Lopes foram--se sucedendo na liderança do município, que só entre 1989 e 1993 esteve nas mãos de Viriato Oliva (PSD). Na Nazaré, depois de cinco mandatos socialistas, Jorge Barroso reclamou a autarquia para o PSD, governando o município durante 20 anos, até à limitação de mandatos, entre 1993 e 2013. A lista de endividadas estende-se de norte a sul do país, e nem as regiões autónomas escapam.

PARTIDOS, INDEPENDENTES E COLIGAÇÕES PS e PSD abarcam a esmagadora maioria dos mandatos, mas houve outras forças com responsabilidades governativas ao longo destes anos, ainda que fiquem a milhas dos dois partidos. A Aliança Democrática (PSD, CDS e Partido Popular Monárquico) no governo teve também o seu momento no poder local.

A CDU governou durante cinco mandatos em duas autarquias (Vila Real de Santo António, entre 1993 e 1997, e Alandroal, onde reconquistou o poder nas eleições de Setembro do ano passado). Tal como a APU (Aliança Povo Unido). Durante uma década, os comunistas governaram em Vila Real de Santo António e no Alandroal.

O CDS passou por Alfândega da Fé e Celorico da Beira, ambas as experiências logo em 1976. Nos dois casos, os centristas concorreram sozinhos e conquistaram o poder. Da lista de partidos com "cadastro" nas câmaras falidas estão também o Movimento Partido da Terra, a União Democrática Popular, a Frente Eleitoral Povo Unido e o movimento de cidadãos xiv (todos com um mandato disperso por três concelhos diferentes).

in: jornal i