Passos não gosta da Constituição. Tem todo o direito a não gostar e a tentar convencer-nos de que tem razão. Só há um pequeno problema - a Constituição prevê que só há revisões com dois terços do Parlamento, e ele não os tem. A Constituição prevê também que enquanto não se muda a que existe, cumpre-se a que está em vigor. É para isso que temos um Tribunal Constitucional: para cotejar a legislação produzida com a Lei Fundamental. Parece que é aquilo a que se dá o nome de Estado de direito, e não consta que Passos tivesse proposto aos eleitores acabar com ele.
Lembramo-nos, claro, que em 2010 apresentou uma proposta de revisão constitucional - mas logo a meteu na gaveta por o ter feito deslizar nas sondagens, renegando-a terminantemente na campanha eleitoral (reveja-se por exemplo o frente a frente com o então primeiro-ministro). Não a sufragou. Mas mal se apanhou no Governo, empenhou-se em pô-la em prática. É à luz desse objetivo que se pode compreender o diploma que o TC ontem chumbou - e que o Governo estava careca de saber inconstitucional. A tal ponto, de resto, que o destacou do Orçamento do Estado para 2014 e o aprovou a meio deste ano, para dar tempo ao Presidente de o enviar ao TC e de ser conhecido o chumbo ainda antes de ser conhecida a proposta de Orçamento - mais os famosos cortes da "reforma do Estado" que deveriam ter sido comunicados à troika em fevereiro/março, foram sucessivamente adiados e cuja revelação está agora prevista para depois das autárquicas (e Passos está-se a lixar para as eleições, que faria se não).
Aliás, quem tivesse dúvidas de que Passos contava com esta decisão do TC deixou de as ter no seu discurso do Pontal, quando falou do "risco constitucional", anunciando que o chumbo deste diploma corresponderia a "andar para trás". Como quando no OE 2013 insistiu no corte dos subsídios que o TC chumbara (mas permitindo--os, recorde-se), a estratégia calculada é fazer surtidas no território do "inimigo", obrigando-o a reagir para depois denunciar o ataque e dar largas à demonização/vitimização. Uma técnica que até as crianças dominam. Bem pode, pois, o Governo torcer as mãos, alegar que os acórdãos do malvado TC custam xis milhões (cartilha que os media repetem estultamente), e Passos modular a bela voz em certificações de abnegação: foi ele quem declarou guerra - e à Constituição, não aos juízes, que se limitam a tentar fazê-la respeitar. Uma guerra desleal e ínvia, que se furtou ao campo aberto do sufrágio para se disfarçar de necessidade, e que visa apresentar o Estado de direito construído pela democracia como obstáculo no caminho da salvação. Está à vista de todos - mas nesta não podemos pedir ajuda à ONU, e os prestimosos observadores internacionais só cá vêm para melhor nos gasear.
Lembramo-nos, claro, que em 2010 apresentou uma proposta de revisão constitucional - mas logo a meteu na gaveta por o ter feito deslizar nas sondagens, renegando-a terminantemente na campanha eleitoral (reveja-se por exemplo o frente a frente com o então primeiro-ministro). Não a sufragou. Mas mal se apanhou no Governo, empenhou-se em pô-la em prática. É à luz desse objetivo que se pode compreender o diploma que o TC ontem chumbou - e que o Governo estava careca de saber inconstitucional. A tal ponto, de resto, que o destacou do Orçamento do Estado para 2014 e o aprovou a meio deste ano, para dar tempo ao Presidente de o enviar ao TC e de ser conhecido o chumbo ainda antes de ser conhecida a proposta de Orçamento - mais os famosos cortes da "reforma do Estado" que deveriam ter sido comunicados à troika em fevereiro/março, foram sucessivamente adiados e cuja revelação está agora prevista para depois das autárquicas (e Passos está-se a lixar para as eleições, que faria se não).
Aliás, quem tivesse dúvidas de que Passos contava com esta decisão do TC deixou de as ter no seu discurso do Pontal, quando falou do "risco constitucional", anunciando que o chumbo deste diploma corresponderia a "andar para trás". Como quando no OE 2013 insistiu no corte dos subsídios que o TC chumbara (mas permitindo--os, recorde-se), a estratégia calculada é fazer surtidas no território do "inimigo", obrigando-o a reagir para depois denunciar o ataque e dar largas à demonização/vitimização. Uma técnica que até as crianças dominam. Bem pode, pois, o Governo torcer as mãos, alegar que os acórdãos do malvado TC custam xis milhões (cartilha que os media repetem estultamente), e Passos modular a bela voz em certificações de abnegação: foi ele quem declarou guerra - e à Constituição, não aos juízes, que se limitam a tentar fazê-la respeitar. Uma guerra desleal e ínvia, que se furtou ao campo aberto do sufrágio para se disfarçar de necessidade, e que visa apresentar o Estado de direito construído pela democracia como obstáculo no caminho da salvação. Está à vista de todos - mas nesta não podemos pedir ajuda à ONU, e os prestimosos observadores internacionais só cá vêm para melhor nos gasear.
Fernanda Câncio (DN)