Fernando Medina - PS |
Chegados ao momento da verdade, a realidade
impõe-se como sempre. Como o Governo insistiu em manter a estratégia -
apesar da derrocada da economia, do emprego e do descontrolo do défice e
da dívida – teve mesmo de apresentar as medidas.
A sucessão de acontecimentos das
últimas semanas – Conselhos de Ministros intermináveis e inconclusivos,
comunicação de medidas pelo PM com omissão de todos os detalhes
relevantes, ou o recente folhetim sobre a "TSU dos pensionistas" – é bem
reveladora do bloqueio a que nos conduziram as opções de política
económica do Governo.
Na verdade, o Governo comprometeu-se com o que não devia (um novo e duríssimo pacote de austeridade sobre uma economia em recessão profunda e prolongada) e comprometeu-se também com o que sabia não ter condições políticas de sustentar (um corte generalizado nas pensões de todos, em particular na administração pública, e a redução das prestações sociais).
Do meio da opacidade e da dissimulação, que são hoje marcas na comunicação do Executivo, sabemos já coisas importantes. Em 2014, as novas medidas de austeridade valerão algo entre 1,7 e 2,1% do PIB, o que só por si fará prolongar a recessão para 2014, como já destacou o Banco de Portugal em recente estudo. Quando necessitávamos urgentemente de estancar a verdadeira sangria económica e social em que se transformou o nosso processo de ajustamento, o que temos é a reafirmação do caminho da tragédia.
Mas sabemos mais. Sabemos que a poupança prevista de €740 M nas pensões da Caixa Geral de Aposentações representa o equivalente a um corte de 10% em "todas" as pensões actualmente em pagamento, incluindo pensões mínimas, de sobrevivência ou invalidez. Se houver exclusão de alguns grupos de pensionistas o corte para os restantes será maior. Sabemos que a redução adicional de €300 M na segurança social (para além das pensões) se traduzirá em novos cortes nos subsídios de desemprego, doença ou abono de família. E sabemos também que os cortes nos consumos intermédios (e os específicos sobre a saúde), atingirão os medicamentos e os meios complementares de diagnóstico. Sabemos que nascerão as novas figuras do "salário zero" e da "rescisão voluntária à força" na administração pública. Isto tudo para além, claro está, da "TSU dos pensionistas", que corresponde financeiramente a algo próximo da extensão da Contribuição Especial de Solidariedade a todos os que auferem pensões acima dos 600 euros mensais.
Muitos verão tudo isto com surpresa, mas a verdade é que as escolhas fundamentais foram no essencial fechadas na 5ª avaliação, realizada em meados do ano passado. Nessa altura, como forma de compensar o desvio orçamental causado pela profunda recessão do ano passado, o Governo decidiu, por sua iniciativa, inscrever junto da Troika o compromisso de redução "estrutural da despesa" em €4000 M.
Durante os meses que se seguiram o Governo foi camuflando a realidade, deleitando as tropas esfrangalhadas pelo "enorme aumento de impostos" com a ideia de uma mítica "Reforma do Estado", o agora equivalente funcional às "gorduras" da campanha eleitoral. Tivemos de tudo nesses meses: pseudo-estudos do FMI, conferências de pseudo-sociedade civil, centenas de discursos e proclamações sobre a importância da redução do Estado para a saída da crise, patéticos apelos ao "consenso" em torno de proposta nenhuma e até a designação de Paulo Portas como o "grande arquitecto" da "Reforma do Estado". E tivemos também, de forma mais silenciosa, a reafirmação do compromisso dos cortes, quer na 6.ª quer no início da 7.ª avaliação.
Chegados ao momento da verdade, a realidade impõe-se como sempre. Como o Governo insistiu em manter a estratégia - apesar da derrocada da economia, do emprego e do descontrolo do défice e da dívida – teve mesmo de apresentar as medidas. Como a despesa pública são, no essencial, rendimentos das famílias - salários e pensões - é aí que estas estão de novo.
Acaba assim a farsa da "Reforma do Estado". Mas continua a tragédia. De um país inteiro que vive cada dia sem qualquer perspectiva de futuro.
Economista. Deputado do PS
in: Jornal de Negócios
Na verdade, o Governo comprometeu-se com o que não devia (um novo e duríssimo pacote de austeridade sobre uma economia em recessão profunda e prolongada) e comprometeu-se também com o que sabia não ter condições políticas de sustentar (um corte generalizado nas pensões de todos, em particular na administração pública, e a redução das prestações sociais).
Do meio da opacidade e da dissimulação, que são hoje marcas na comunicação do Executivo, sabemos já coisas importantes. Em 2014, as novas medidas de austeridade valerão algo entre 1,7 e 2,1% do PIB, o que só por si fará prolongar a recessão para 2014, como já destacou o Banco de Portugal em recente estudo. Quando necessitávamos urgentemente de estancar a verdadeira sangria económica e social em que se transformou o nosso processo de ajustamento, o que temos é a reafirmação do caminho da tragédia.
Mas sabemos mais. Sabemos que a poupança prevista de €740 M nas pensões da Caixa Geral de Aposentações representa o equivalente a um corte de 10% em "todas" as pensões actualmente em pagamento, incluindo pensões mínimas, de sobrevivência ou invalidez. Se houver exclusão de alguns grupos de pensionistas o corte para os restantes será maior. Sabemos que a redução adicional de €300 M na segurança social (para além das pensões) se traduzirá em novos cortes nos subsídios de desemprego, doença ou abono de família. E sabemos também que os cortes nos consumos intermédios (e os específicos sobre a saúde), atingirão os medicamentos e os meios complementares de diagnóstico. Sabemos que nascerão as novas figuras do "salário zero" e da "rescisão voluntária à força" na administração pública. Isto tudo para além, claro está, da "TSU dos pensionistas", que corresponde financeiramente a algo próximo da extensão da Contribuição Especial de Solidariedade a todos os que auferem pensões acima dos 600 euros mensais.
Muitos verão tudo isto com surpresa, mas a verdade é que as escolhas fundamentais foram no essencial fechadas na 5ª avaliação, realizada em meados do ano passado. Nessa altura, como forma de compensar o desvio orçamental causado pela profunda recessão do ano passado, o Governo decidiu, por sua iniciativa, inscrever junto da Troika o compromisso de redução "estrutural da despesa" em €4000 M.
Durante os meses que se seguiram o Governo foi camuflando a realidade, deleitando as tropas esfrangalhadas pelo "enorme aumento de impostos" com a ideia de uma mítica "Reforma do Estado", o agora equivalente funcional às "gorduras" da campanha eleitoral. Tivemos de tudo nesses meses: pseudo-estudos do FMI, conferências de pseudo-sociedade civil, centenas de discursos e proclamações sobre a importância da redução do Estado para a saída da crise, patéticos apelos ao "consenso" em torno de proposta nenhuma e até a designação de Paulo Portas como o "grande arquitecto" da "Reforma do Estado". E tivemos também, de forma mais silenciosa, a reafirmação do compromisso dos cortes, quer na 6.ª quer no início da 7.ª avaliação.
Chegados ao momento da verdade, a realidade impõe-se como sempre. Como o Governo insistiu em manter a estratégia - apesar da derrocada da economia, do emprego e do descontrolo do défice e da dívida – teve mesmo de apresentar as medidas. Como a despesa pública são, no essencial, rendimentos das famílias - salários e pensões - é aí que estas estão de novo.
Acaba assim a farsa da "Reforma do Estado". Mas continua a tragédia. De um país inteiro que vive cada dia sem qualquer perspectiva de futuro.
Economista. Deputado do PS
in: Jornal de Negócios