Os milionários que ganham 2000 euros por mês

A experiência diz-me que terei muito tempo para dizer mal do Governo, do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e de muitos outros que se ocupam das funções executivas. A mesma experiência diz-me que já não deve faltar muito, porque os governos começam muito depressa a dizer e a fazer asneiras.
Hoje, vou limitar-me a apontar um dedo preguiçoso a jornais e a jornalistas.
DN faz a chamada para uma entrevista ao Ministro das Finanças usando uma citação: “Quem tem 2000 euros de rendimento tem uma posição privilegiada.”
Não sendo eu um queixinhas, a verdade é que não me sinto propriamente um privilegiado, pelo menos no que toca a rendimentos, que privilégios há muitos.
Quando estava a preparar-me para soltar um impropério, pensei: “Deixa lá ler a parte da entrevista acerca disto dos rendimentos.” E lá me deixei ir ler.
Deixo-vos a citação completa da resposta, porque  uma pessoa lê as gordas e depois está no quentinho e não lhe apetece ir mais além. Aqui fica. Do título ao texto vai um passo gigante: é assim que se arranjam entorses e é assim que se vendem jornais.
Mas como classificaria alguém que tem um rendimento bruto de 2000 euros por mês?
Lá está, uma pessoa que tem um rendimento bruto de 2000 euros por mês está numa posição da distribuição de quem paga impostos em Portugal, altamente privilegiada. Se isto faz dessa pessoa uma pessoa rica ou não… no contexto europeu garanto-lhe que não faz. No contexto português, ela de facto está numa posição cimeira da distribuição de rendimentos. Justifica-se por isso que essa pessoa seja penalizada, do ponto de vista fiscal, pelo menos do ponto de vista relativo? Com muitos limites, porque senão deslaçamos também aquilo que é a coesão social. Este Orçamento tem de ser visto no contexto de uma política que foi estabelecida para quatro anos. É verdade que neste ano a eliminação da sobretaxa tem um carácter progressivo e beneficia mais as pessoas de mais baixos rendimentos, mas a política fiscal que está subjacente ao Orçamento, no ano que vem, e no de 2017, que começará a ser preparado muito rapidamente, terá este outro sentido de alívio destas pessoas que estão na parte mais de cima da distribuição de rendimentos. Chamar-lhes ricas, acho que é exagero de forma.

in: Aventar (António Nabais)