Da «Associação Cultural Siciliana» à «Congregação das Carmelitas Descalças de Wall Street» passando pela «ONG» de Passos Coelho

 
• José Vítor Malheiros, A importância de se chamar:
    «(…) A questão é: se a Mafia adoptasse o nome de “Associação Cultural Siciliana” e se a Goldman Sachs se rebaptizasse “Congregação das Carmelitas Descalças de Wall Street” os media deveriam passar a usar essas designações? Ou deveriam considerar que a mensagem transmitida pela designação estava em desacordo com (como dizer?...) a verdade dos factos? Ou acreditariam que as novas designações representavam de facto novas identidades e novos objectivos dessas organizações?

    Não sei se o auto-proclamado “Estado Islâmico” contratou um especialista de branding para escolher o seu nome, mas o know-how está lá. O que é mais dramático constatar é que esta manipulação dos nomes e dos conceitos está por todo o lado e envenena o discurso dos media, descredibiliza o discurso político e cria uma profunda sensação de impotência nos cidadãos. As coisas deixaram de ter os nomes que deviam ter, que aprendemos e que os dicionários lhes dão e ganharam novos significados, conferidos pelo poder, que retiram significado e tornam difícil dizer onde está a verdade porque ela é redefinida de acordo com o interesse de quem controla o discurso público. Passos Coelho foi pago pela Tecnoforma? Não, recebeu reembolsos de despesas do Conselho Português para a Cooperação. O CPPC tinha como objectivo a cooperação com os PALOP. O CPPC era uma organização não-governamental sem fins lucrativos. A intervenção da troika em Portugal visou o “ajustamento”. O governo não quer baixar salários mas apenas reduzir os custos unitários do trabalho. Avaliação, flexibilidade, produtividade, bolsa de horas, fundo de garantia, excelência, média ponderada, transtorno nos tribunais, sustentabilidade das contas públicas, reformas estruturais, líder social-democrata, Novo Banco. A manipulação das designações, o novo léxico do poder, está por todo o lado e tem um tal exército de megafones ao seu serviço que invade mesmo o discurso dos observadores mais atentos e mais críticos. E no entanto os nomes são importantes. São eles que identificam as coisas, as pessoas, as organizações, as políticas, as nossas acções, as nossas escolhas, as nossas ideias. Sem chamar os bois pelos nomes não podemos falar, o discurso torna-se uma pasta eufemística onde deixa de haver um terreno comum, um espaço público lexical que permite a comunicação, uma língua comum. (…)»
     
    in: Câmara Corporativa