Se há indicador económico que continua a crescer a um impressionate
ritmo, é o da dívida pública. No final de 2011, alguns meses depois dode acordo com dados tornados públicos hoje pelo Banco de Portugal).
Pior: não só cresceu em termos relativos (ao PIB) como em termos
absolutos. O seu ritmo de crescimento agravou-se drasticamente, e cada
vez se torna mais difícil a Portugal pagar o que deve. Neste momento - e
apesar da propaganda neoliberal europeia e nacional nos afiançar o
contrário - estamos mais próximos da bancarrota e de um segundo resgate
do que estávamos há dois anos. Este segundo resgate, a acontecer durante
o próximo ano, junta-se ao terceiro da Grécia, anunciado por Schaüble
há uns dias.
Governo entrar em funções, estava nos 107,2%. Quem tem memória das
coisas, lembra-se do clamor constante da direita contra o Governo de
José Sócrates por causa do crescimento da dívida. Ainda hoje, quando se
sentem acossada, a matilha saca do endividamento do país e da bancarrota
para justificar a destruição que está a levar a cabo. Na verdade, em
dois anos a dívida cresceu até aos 131,4% (
E assim será, até não se sabe muito bem onde. As políticas
austeritárias diminuem o PIB dos países onde estão a ser aplicadas. Como
menos recursos, o Estado, para que consiga atingir as metas a que se
propõe (definidas pelo pacto orçamental europeu), precisa de os ir
buscar onde é mais fácil: aos mais pobres, aos trabalhadores por conta
de outrem, à vasta classe média agora empobrecida. Os cortes no Estado
Social são, no limite, a maneira que os Governos austeritários têm de
tapar buracos orçamentais provocados por quebras no PIB devido à
austeridade. Esta criminosa pescadinha de rabo na boca - corta-se
primeiro, provocando a recessão e uma descida no PIB, e que por sua vez
apenas poderá ser atenuada para efeitos de défice cortando ainda mais -
tem como objectivo, e terá como resultado mais visível, o fim das
políticas inclusivas e sociais que trouxeram paz à Europa durante
sessenta anos. Outro resultado expectável será uma maior desigualdade
social e uma mobilidade social com tendência a desaparecer. Os
mecanismos de redistribuição dos rendimentos vão sendo substituídos por
mecanismos de transferência de rendimentos do trabalho para o capital -
as mexidas na TSU foram uma primeira tentativa falhada, a descida no IRC
será o segundo assalto em larga escala tentado de forma directa.
Enquanto não chegamos lá, a compressão salarial provocada por um brutal
aumento do desemprego está já a permitir essa transferência de
rendimento para o capital: pagando salários mais baixos aos
trabalhadores, as empresas poderão ter mais lucro e distribuir
dividendos por accionistas - no caso do PSI-20, fugindo aos impostos
portugueses - em maior escala.
Nesta fase do capitalismo de rapina, o capital viaja do Sul para o
Norte da Europa, dos países em resgate para a Alemanha e para os seus
aliados mais ricos, e do bolso da classe média e dos mais pobres para o
poder financeiro e os grandes capitalistas. Os cinquenta anos de
prosperidade europeia - e norte-americana - aconteceram não só como
consequência do crescimento económico constante, pela criação de
riqueza, mas sobretudo por políticas sociais que diminuíram bastante o
fosso entre ricos e pobres no mundo ocidental, através da implementação
de políticas de redistribuição de riqueza assertivas e solidárias. O que
se assiste neste momento vai deixar um rasto de desigualdade e
aprofundar medos e rancores nacionalistas. No fundo, o crescimento da
dívida não é problema para quem manda na Europa e em Portugal. Um
programa ideológico possibilitado por um conjunto de factores
excepcional - uma maioria de governos de direita na Europa, a crise de
2008 - está a tomar conta de um espaço que em tempos se dizia fraterno,
justo e igualitário. Tudo vai mudar; mas não vai ficar tudo na mesma.