Prenda de 14 milhões a Salgado foi “solidariedade e entreajuda”, disseram juristas
Juristas não viram "razão para censurar a aceitação", por parte de
Ricardo Salgado, da prenda de 14 milhões de euros entregues pelo
construtor José Guilherme ao antigo presidente do BES.
O “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade”. Foi
assim que o jurista João Calvão Silva, especialista em direito bancário
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, enquadrou a
“liberalidade” no valor de 14 milhões de euros dada pelo construtor José
Guilherme a Ricardo Salgado. Esta análise de João Calvão Silva e outra,
de Pedro Maia, também da Universidade de Coimbra, foram enviadas por
Ricardo Salgado ao Banco de Portugal e levaram o governador Carlos
Costa, segundo o próprio, a manter a idoneidade do ex-presidente do BES.
O jornal i publica
esta quarta-feira excertos dos dois pareceres jurídicos que Carlos
Costa citou, durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito,
como documentos que suportaram a sua decisão de manter a idoneidade de
Ricardo Salgado e, por essa razão, deixar o banqueiro ao leme do Banco
Espírito Santo nos últimos meses de 2013.
Um dos pareceres é de João Calvão Silva, um histórico militante do
PSD e, hoje, presidente do conselho de jurisdição do mesmo partido. “A
liberalidade foi por conselho dado a título pessoal, fora do exercício
de funções e por causa das funções de administrador bancário, não se vê por que razão censurar a sua aceitação, muito
menos que possa constituir fator relevante na decisão de registo sob o
prisma da idoneidade necessária a uma gestão sã e prudente da
instituição de crédito“, escreveu o jurista.
Além de João Calvão Silva, também Pedro Maia, outro jurista da
Universidade de Coimbra, não viu razões para questionar a idoneidade de
Ricardo Salgado. “Não se vislumbra, sequer em abstrato, em que medida de
que forma a aceitação de uma liberalidade no âmbito de uma relação
pessoal poderia valer, prospetivamente, como fator que aumentasse o
risco ou tornasse até provável que a pessoa não irá, no futuro, efetuar
uma gestão sã e prudente do banco”, cita o jornal i.
Este último jurista insurgiu-se contra Carlos Costa quando este citou
o seu parecer durante a Comissão de Inquérito, a 17 de novembro, para
justificar a razão por que manteve Ricardo Salgado à frente do BES nos
últimos meses de 2013. Numa carta que enviou ao governador e à comissão,
o jurista sublinhou que quando se pronunciou sobre a idoneidade de
Salgado, em novembro de 2013, não eram conhecidas suspeitas e
irregularidades entretanto atribuídas à antiga administração do BES.
Pedro Maia considera ainda que o regulador tinha já à data poderes para
substituir o então presidente do banco.
in: Observador