"Não posso dizer que não foi um murro no estômago! Para mim foi e creio ter visto o mesmo efeito em alguns dos repórteres que ouviram a notícia em primeira mão dita pelo advogado ainda antes de a escrivã do tribunal ler o comunicado do juiz que ditou prisão preventiva para José Sócrates. Ela própria, a escrivã, se engasgou, não sei se pela dureza da sentença se pela falta de hábito de ler um papel frente às câmaras de televisão.
É uma decisão extrema, ainda não sabemos com que fundamento porque o juiz decidiu que não temos de saber, para já, porque amanhã alguns jornais vão dizer, como tem sido até aqui.
A justiça funcionou, dizemos todos um pouco hipocritamente porque tratando-se de José Sócrates ninguém é isento. Sócrates foi amado por uns e odiado por outros. Não pelas políticas que aplicou mas porque os líderes carismáticos, como é o caso de Sócrates, despertam paixões e sentimentos extremos que não necessitam de explicação nem de racionalização.
Pode ser que a prisão preventiva aplicada a José Sócrates seja uma medida justa e adequada aos crimes que, alegadamente, cometeu. Mas José Sócrates foi tratado nestes dias pelo Tribunal e pelos media como um criminoso antecipado, mostrado através de frechas das janelas e cortinas do tribunal, com zooms de câmaras de televisão apontadas às janelas das viaturas “descaracterizadas” onde o transportavam.
Mas há um outro lado desta história: Contraditoriamente, hoje começou também a “libertação” de José Sócrates. Porque a dimensão e severidade da pena que lhe foi aplicada, transforma-o em vítima e em mito.
A “condenação” de Sócrates começou na passada sexta-feira, no aeroporto de Lisboa quando “fugia” para sua casa. Continuou nos dias seguintes e culminou hoje. A partir de agora, Sócrates sai de cena, mas o rasto destes dias fica para a história.
Sócrates fica para o história por, como disseram todos, ser o primeiro chefe de governo a ser detido à saída de um avião com as televisões estrategicamente colocadas para captarem o momento, e o primeiro a ficar em prisão preventiva acusado de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Mas Sócrates faz também história por ser o primeiro chefe de governo a ser tratado como um proscrito, antes de ser julgado e condenado.
Há também os outros arguidos, é certo. Mas esses foram poupados ao circo mediático e, ao menos, respeitada a sua privacidade numa hora difícil das suas vidas. Sabemos ainda assim que o motorista de Sócrates “chorou” quando foi detido – falta de vergonha de quem o viu chorar e veio dizer a quem, com menos vergonha ainda, escreveu que ele chorou.
Amanhã é outro dia. Alguns estão contentes e outros pesarosos. Que se respeitem mutuamente porque a liberdade é também isso.
Quanto à justiça, oxalá tenha provas sólidas que justifiquem as medidas que tomou.
Do Ministério Público espera-se que investigue, com a mesma severidade que aplicou aos arguidos, quem repetidamente no seu seio violou nestes dias tão flagrantemente o segredo de justiça."
por: Estrela Serrano (Vai e Vem)