Todas as campanhas abusam da hipérbole, mas existia ainda algum temor da mentira desbragada. Ora tudo isso desapareceu na actual campanha para as eleições europeias. Uma dupla trauliteira auto-satisfaz-se com a mentira, emulando a ultra esquerda sempre vezeira nessas andanças. Associaram-se, sem escritura, numa sanduíche ao PS.
A direita insiste na sua estória sobre Maio de 2011. A Troika teria vindo chamada pelo PS a ele deveriam ser assacadas todas as tropelias que o Governo lhe consentiu ou até incentivou. Dupla mentira: o PS tudo fez para evitar a Troika. Passos e Portas tudo fizeram para que a Troika entrasse. Associaram-se à ultra-esquerda para fazer cair o governo socialista minoritário, mentindo por omissão quando alimentaram a fábula de não terem sido ouvidos sobre o PEC 4, quando Sócrates gastou três horas a discuti-la com Passos. Segunda mentira: se o programa correu mal, a culpa foi do desenho inicial, assacado aos socialistas. Esquecem as suas manifestações de regozijo com a intervenção. Esquecem que o programa inicial era medicina benigna, comparada com a que Vítor Gaspar apimentou, na mira de mostrar serviço e conquistar melhor emprego. O que conseguiu.
A coligação trauliteira não perde ocasião para agravar um defeito da cultura nacional: tem que haver sempre um culpado, pois o povo adora autos de fé. Mas existe uma terceira mentira de imensa amplitude. Alega a dupla trauliteira que o PS é o partido da despesa pública, ao longo de quarenta anos. Falso. Desde que existe estado de direito, o PS governou 14 anos e meio: 1977-1978, 1995-2002 e 2005-2011. O PSD em maioria absoluta governou quase dez anos, de 1985 a 1995. E em coligação com o CDS governou 10 anos: de 1980 a 1983, de 2002 a 2005 e de 2011 a 2014. Ou seja, a direita só ou coligada é responsável por 20 anos de desgraça governativa e de despesismo consciente. Alguns exemplos mais gritantes: O pagamento de indemnizações e rendas empoladas artificialmente às Misericórdias, em 1980, com o pretexto de terem sido “esbulhadas” de serviços de saúde, o que foi falso; Um novo sistema retributivo que aumentou em 28%, num só ano, a despesa em ordenados da função pública; o 14º mês aos pensionistas em 1992; a contagem fictícia de anos de contribuição para a segurança social, a famosa “compra de anos”, que induziu a reforma artificialmente antecipada dezenas de milhares de beneficiários activos; a aposentação no ensino aos 52 anos; a prescrição de medicamentos subvencionados pelo SNS, nas consultas privadas, três meses antes das eleições de 1995, fazendo disparar a factura farmacêutica; os dois submarinos do Dr. Portas, decididos entre 2002 e 2004. Em matéria de despesismo, o PSD/CDS abriram escola: fazem o mal e a caramunha.
Após 2011 uma nova forma de desbaste do Estado atacou em Portugal. A delapidação do património: a ANA concessionada por 50 anos e vendida aos franceses a preço de saldo, em ocasião de saldo; as jóias da coroa, EDP e REN, despachadas com tanta rapidez que nem deu para corrigir as rendas. A privatização dos CTT, apresentada como êxito e agora entrando em rápida perda de valor bolsista. A TAP só não foi despachada por ninguém querer pegar no “brinde” da empresa paulista de manutenção que gera prejuízos. A EGF, vendável num abrir e fechar de olhos, se não fosse a servidão que a vincula aos municípios seus participados. Os Franceses querem as águas (o que só parcialmente conseguiram na Grécia), os Alemães ainda não excluíram a TAP da sua ambição. Outra forma de delapidação consiste na destruição de activos: o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, limitado por lei a deter 55% de obrigações nacionais, vai ver desaparecer esta cláusula para ter que comprar obrigações do tesouro até 90 % dos seus recursos, o que o levará a baixar os activos estrangeiros. A mistificação chega a enganar um respeitável diário que titula ingenuamente “Pensões menos expostas a dívida estrangeira”. A mentira subtil chega a fazer parecer que é bom o que é deveras mau. Sempre poetas, estes financeiros.
Mas a poesia não faz esquecer que o desemprego em três anos subiu de 9 para 15%; que a emigração por dois anos seguidos, passou aos valores do tempo da guerra colonial, 110 a 120 mil emigrantes, agora todos com formação profissional qualificada; o risco de pobreza aumentou para 25% e o número de pobres, de 16 para 18 %; a frequência do ensino superior foi reduzida para além do efeito demográfico e a desistência dos estudos aumentada por incapacidade financeira das famílias; a constituição de novas famílias, com o elevado desemprego jovem, tornou-se mais difícil o que certamente influencia a baixa da natalidade; a dívida pública passou em três anos de 90 para 130% do PIB, tornando os seus encargos anuais iguais ao orçamento da Saúde.
Com retórica abusiva, as aves canoras do PSD/CDS tentar levar o Povo a acreditar no impossível: que a Troika se foi para sempre, que o crescimento está a regressar, que a vida está melhor. Pedem demais à vítima, como todos os torcionários, pedem-lhes amor em vez de perdão. Julgam que o sofrimento redime as almas, purifica os corpos, eleva o espírito. Uma campanha de mentiras, como nunca se viu antes. Sem confrontação na rua, deserta à sua passagem, como as procissões medievais de condenados. E quando confrontados, pasme-se, respondem com arrogância: quem os critica tem discurso encomendado! Esta campanha da direita é um desastre, uma fuga para a frente do desprezo popular. Perdida andaria a Europa se votasse em quem assim procede. O perfume da mentira pode ser doce. Aqui, enjoa!
Deputado do PS ao Parlamento Europeu (in: Público)