O autêntico inferno de fogos florestais que assola o nosso país, traz sempre à discussão a prevenção atempada que se deveria fazer em tempo útil...
… as limpezas florestais, a aposta em renovados meios de combate a incêndios, recursos humanos (in)suficientes para os Bombeiros e um infindável rol de argumentos que devem ser discutidos, principalmente fora da época de incêndios.
Toda a vida estive ligado aos Bombeiros Voluntários. Tanto a nível familiar bem como, desde há vários anos, a nível directivo e conheço relativamente bem a realidade dos fogos florestais e a árdua e hercúlea tarefa dos soldados da paz, tão maltratados num país que tem que perceber que estes são o seu maior “exército de combate” e auxílio à nossa população.
Contudo, nesta altura e fazendo um aparte de todas estas questões bastante sérias, pertinentes e que de uma vez por todas têm que ser resolvidas, há um fenómeno que me custa compreender.
Com o advento das redes sociais, denota-se uma preocupação exagerada de toda e qualquer pessoa em “postar” no Facebook tudo aquilo que se faz ou dar a sua opinião sobre diversos temas. É um direito que assiste qualquer um de nós.
No entanto, parece-me que este comportamento por vezes extravasa o que é aceitável até para a segurança da própria pessoa e dos outros. Não têm sido raros os casos em que a Polícia desaconselha a população a não publicar fotos em férias.
Há uns anos, numa palestra em que participei como Psicólogo Clínico e a propósito dos assaltos a habitações durante o período de férias, um inspector da Polícia Judiciária referia que antigamente dava muito mais trabalho assaltar uma casa – o assaltante tinha que se “mostrar”, rondar a habitação, perceber rotinas, etc., mas actualmente basta irem ao facebook e escolherem a casa cujos donos partilham alegremente fotos numa qualquer praia ou destino turístico, tendo maiores garantias que esta esteja completamente vazia e sem vigilância.
Na última semana, para além da dificuldade em combater as centenas de fogos florestais, os bombeiros tiveram outro obstáculo, assumido até por um Comandante de um corpo de Bombeiros do norte do país. Mediante incêndios de dramáticas proporções, no meio de muitas pessoas a quererem ajudar, havia sempre uns quantos que saíam de casa, sob temperaturas altíssimas e iam até ao local de incêndio em ritmo de passeio para partilharem a sua foto no facebook, a selfie do momento ou o vídeozinho das labaredas a consumirem floresta. Para além de por vezes atrapalharem o trabalho destes bombeiros, estes comportamentos garantiam o “sucesso” da acção dos incendiários, muitos deles, quiçá, pirómanos, que sentem elevada excitação pelo pânico social provocado, corroborado também pelas largas horas de directos na televisão nacional que, ininterruptamente vão passando imagens do inferno que estes incendiários provocam.
O artigo de opinião de João Miguel Tavares (Público), intitulado “Queremos ver Portugal a arder”, denuncia a exagerada cobertura jornalística das chamas em detrimento de discussões/entrevistas com responsáveis da proteção civil, governo e outras entidade para fazer face a esta situação, “estando comprovado que os pirómanos entusiasmam-se com a cobertura (jornalística dos incêndios) e o festim de chamas serve-lhes de alimento a futuros fogos”.
A nível académico, a tese de mestrado de Sandra Ferreira (2015) – Incendiários: Entre os média e a realidade, traça o perfil dos incendiários Portugueses, em paralelo com a acção dos meios de comunicação social que têm “enorme interesse” em informar mas também retêm “audiências dado o fenómeno de elevada destruição que provoca medo e pânico na população”.
Aliás, segundo Ferreira (2015) o perfil do incendiário Português é “Homem, 20-35 anos, solteiro, com transtornos mentais, ausência de historial criminal, provoca incêndios sem motivo aparente e permanece no local”.
A componente de transtorno mental associado aos incendiários, muitas vezes corresponde à existência de uma “perturbação rara do controlo dos impulsos – Piromania – caracterizada por um padrão contínuo de comportamentos incendiários de forma propositada por prazer, gratificação e libertação da tensão” (Almeida & Paulino, 2012, cit. Ferreira 2015). A descrição dos critérios da Piromania presente no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) reconhece também o “prazer, satisfação ou libertação de tensão ao provocarem incêndios, testemunharem os seus efeitos ou participarem no seu combate”.
Para além de todos os comportamentos que devemos ter de prevenção e combate aos incêndios, é também necessário nesta nova era da informação, estarmos em alerta para estes fenómenos de reconhecimento público do crime – a nível pessoal via facebook, ou a nível da sociedade via comunicação social; nomeadamente quando poderemos estar a lidar com pessoas que sofrem de transtornos mentais graves e que se motivam ainda mais para a sua prática continuada, ao constatarem o alarme mediático que provocam com as suas acções. Haja alguma cautela e ponderação.
in: Tornado