Mês após mês, obstáculo após obstáculo, continuamos a reagir como nos habituámos durante os anos da troika. Sentimos que vem aí mais um drama, que é agora que a corda rebenta. Foi assim, mas depois de tudo o que vimos e ouvimos chegou a altura de (pelo menos) nos questionarmos? E se as coisas realmente mudaram? E se António Costa tiver razão?
Hoje lá passou mais um drama. Havia fundados indícios de que Portugal poderia sofrer sanções da Comissão Europeia. Mas depois da reunião dos comissários, o que saiu foi bem diferente: a Comissão fixou um novo prazo, mas deu um bónus inesperado: O Governo já não precisa de chegar a um défice de 2,2%, mas de 2,3%; e já não precisa de corrigir o défice estrutural em 0,5 pontos, mas apenas em metade disso. Moscovici disfarçou, como sabe bem fazer: Portugal tem mais um ano, mas só um. Pois claro, mais um (até ao próximo?)
Costa tem a sorte consigo: as eleições em Espanha deram um bom pretexto para que Bruxelas fosse benevolente. Mas o primeiro-ministro português beneficia também de uma Comissão mais política, com Juncker à sua frente e um bom apoio socialista em terMoscovici; também ajuda uma Europa a crescer, mesmo que pouco, como não cresceu nos piores anos do nosso ajustamento. Passos que o diga: em 2015, não precisou de fazer nada para que o défice se reduzisse dos 4% para os 3%, até com um ligeiro desagravamento da austeridade (as eleições estavam mesmo ali). Se funcionou com ele, porque não haverá de funcionar com Costa?
Pode acontecer, a verdade é essa, que o primeiro-ministro tenha essa sorte. Na verdade, tudo o que precisa é que o défice desça um pouco. Há enormes riscos nesta estratégia, claro. Basta que a economia não arranque (e tão mau foi o primeiro trimestre), que Centeno não consiga controlar o Orçamento ou os outros ministros. Que a própria Europa desacelere mais ainda - ou que o BCE se farte de apoiar governos sem que estes correspondam em políticas que empurrem as economias.
Mas uma coisa temos nesta altura que reconhecer: António Costa é digno de respeito, pela capacidade de estancar na hora a qualquer pressão adicional, pela forma como reage sempre da mesma forma, dando a noção de perfeito controlo da situação e de domínio dos meandros europeus.
A coisa pode funcionar ou não, mas eu garanto-vos isto: em julho não vamos ter sanções; e até setembro o Governo não muda uma linha da sua política. Às tantas ainda somos forçados a mudar o chip. Será?
David Dinis
in: TSF