"Como é que o PS consegue pagar isto tudo?" Esta é uma das perguntas que mais vezes tem sido colocada sobre o acordo entre os partidos de esquerda.
Uma parte importante da explicação está numa descida mais lenta do défice orçamental face àquilo que o PSD e o CDS tinham planeado.
Comecemos pelo PS, cujos números estão bastante detalhados. O Programa de Governo dos socialistas prevê que o défice de 2015 deverá ficar nos 3% do produto interno bruto (PIB), a mesma estimativa da Comissão Europeia. Para 2016, só antecipa uma descida de 0,2 pontos percentuais, para os 2,8%. Um ajustamento de cerca de 350 milhões de euros, se usarmos como referência o PIB de 2015.
As contas do lado do Governo são mais complicadas, uma vez que desde Abril, quando apresentou o Programa de Estabilidade, que não actualiza o seu cenário. Aliás, continua a ser esse o documento que cita para se referir às suas projecções. Nele, está expressa a intenção de descer o défice orçamental de 2,7% para 1,8% do PIB em 2016, menos 0,9 pontos.
Para os fins deste exercício, vamos partir do pressuposto que o défice de 2015 não fica em 2,7% do PIB, mas sim nos 3% previstos por Bruxelas. Para sermos justos na avaliação, assumimos que PSD/CDS também acabariam por rever em alta o défice de 2016, de forma a não terem de impor mais austeridade pela derrapagem de 2015. Isto é, mantendo o mesmo esforço de 0,9 pontos, o défice de 2016 desceria para 2,1%.
Ou seja, o saldo orçamental previsto pelo PS para 2016 é 0,7 pontos percentuais mais elevado do que o compromisso de PSD e CDS. Se usarmos mais uma vez os valores do PIB de 2015, essa diferença é equivalente a 1,25 mil milhões de euros.
Um montante que permitiria acomodar várias das medidas inscritas no programa de Governo do PS, que penalizam o equilíbrio das contas. Metade desse valor é absorvido pelas três maiores medidas: descongelamento das pensões, reposição de salários e TSU dos trabalhadores.
Além desta diferença, o cenário do PSD/CDS incluía, por exemplo, uma descida de IRC que o PS não fará. São mais de 100 milhões de euros, que acrescentam à almofada anterior. Estas contas não incluem a possibilidade de as medidas do PS terem um impacto mais positivo na economia do que as do PSD/CDS.
"Nós vamos continuar no caminho da consolidação orçamental", garantiu terça-feira ao Financial Times Mário Centeno, apontado como futuro ministro das Finanças. "Não é a direcção que estamos a questionar, mas a velocidade da viagem." O défice orçamental e dívida pública vão manter uma "trajectória consistente de queda", mas a um ritmo mais brando, acrescentou.
Qual é o problema de Portugal ter um défice mais elevado? No nível de que estamos a falar – 2,8% vs. 1,8% do PIB –, a haver uma penalização, ela deverá ter origem em Bruxelas. No entanto, desde que o PS o mantenha abaixo dos 3%, Portugal continuará a cumprir as regras comunitárias de saldo orçamental.
A violação pode acontecer noutro indicador de contas públicas: o défice estrutural (corrigido de ciclo económico). Segundo as regras europeias, os Estados-membros devem reduzir o seu défice estrutural a um ritmo de 0,5% do PIB ao ano.
Os documentos do PS não incluem as suas projecções para o défice estrutural. Os socialistas argumentam que o seu cálculo é muito volátil. Refira-se, contudo, que o Governo PSD/CDS se prepara para violar a regra dos 0,5% este ano e a Comissão já espera uma nova violação em 2016. Na Europa, Espanha e Itália também deverão agravar o défice estrutural.