Carneirísmos de carreira.

As lágrimas da deputada Maria




A deputada do PSD Maria José Castelo Branco, eleita pelo círculo do Porto, terá chorado copiosamente na reunião da bancada parlamentar da passada quinta-feira, quando anunciou perante os pares que ia votar contra a proposta do PS que permitiria a coadoção de crianças por casais do mesmo sexo. Maria desfez-se em lágrimas: ela queria votar favoravelmente o projeto socialista, mas a "pressão das estruturas locais do partido" tê-la-á obrigado a ir contra o que a sua consciência ditava nesta matéria de costumes. No ponto mais alto da choradeira, Maria terá mesmo pedido desculpa aos colegas de bancada. "Desculpa pela cobardia".

Maria não foi a única a dar esta vergonhosa cambalhota. Outros parlamentares o fizeram, em nome da chamada "disciplina de voto". Esta coisa execrável atingiu o paroxismo, oh ironia do destino!, no lado dos que gostam de aspergir cavalares doses de amor à ética, à moral, aos valores e aos bons costumes sobre os incautos . O líder da bancada do CDS/PP não impôs a "disciplina de voto": chamou-lhe "orientação firme de voto", modo cínico e prepotente de dizer aos apaniguados que era para chumbar a coadoção.

O triste exemplo de Maria - e de todos os outros deputados da nação que torceram a espinha até ao limite na passada quinta-feira - não merece qualquer comiseração, seja qual for a quantidade de lágrimas libertadas. Merece, isso sim, a mais viva reprovação. O Pedro Ivo Carvalho, meu colega aqui na casa, resumiu o problema desta forma lapidar: "Na coadoção, a votação à direita dividiu-se entre os que têm consciência e mantiveram o voto e os que não têm outro emprego e mudaram o voto"."

É a verdade verdadinha. A ameaça que pairava sobre a cabeça dos desalinhados não era velada, era explícita: se não votassem de acordo com as indicações vindas do topo, as "bases", essas poderosas contudo informes entidades ficariam incomodadas. Quer dizer: lá onde se definem os lugares para o Parlamento e os empregos para familiares e amigos, a traição jamais seria perdoada. Luís Montenegro, presidente da bancada do PSD, chegou mesmo a dizer, certamente num momento de passageiro delírio, que os deputados sociais-democratas votavam contra o projeto socialista porque "isso coincide com a posição maioritária dos eleitores do PSD". Não sei se ria, não sei se chore...

Neste tristíssimo palco de desgraças, já não nos bastava ficar ao lado da Rússia, da Ucrânia e da Roménia, formando com eles o ridículo grupo de países que, na Europa, recusam direitos decisivos e elementares a crianças que vivem com casais do mesmo sexo. Como se elas não fossem iguais às crianças que vivem com casais heterossexuais. Não: ainda tivemos de apanhar, uma vez mais, com a perturbante demonstração de que a consciência e a escala de valores de alguns dos nossos deputados são hipotecáveis e manipuláveis. Não está mal...